O tema sucessão aparece de maneira forte quando se analisa o tripé clássico dos eixos da empresa familiar: a família, a propriedade e a gestão. O tema família fala por si; a propriedade indica como a empresa será controlada e a gestão faz com que a empresa tenha a sua sustentabilidade. Muito pouco tem sido estudado fora do tema sucessão, tema relacionado primordialmente à maneira como se entrelaçam a família e a propriedade
Sucessão sem dúvida é um tema crítico para as empresas familiares e é um processo contínuo, devidamente planejada e sendo olhada por ambos os lados, ou seja, do lado da empresa quando demanda uma dada estrutura e, para essa estrutura, necessita de pessoas que possam desenvolver as atividades e ao mesmo tempo, do lado da família no sentido de não só disponibilizar mas também perceber os membros da família ocupando esses espaços ao longo da vida da entidade para que ela continue sendo uma empresa familiar.
Por Grant Thornton Brasil
A sucessão é um processo complexo e demanda muito diálogo entre os membros da família. Segundo dados do Sebrae, 90% dos negócios no Brasil possuem perfil familiar, por apresentarem pessoas com parentesco no quadro de sócios ou funcionários (1). Nesse caso, os desafios ultrapassam as fronteiras entre família e a companhia. O ideal é iniciar o planejamento de sucessão o quanto antes, e não aguardar o envelhecimento dos fundadores.
É evidente que em alguns casos não há tempo para se planejar a sucessão devido ao falecimento repentino do fundador, por exemplo. É aconselhável que os herdeiros sejam preparados e capacitados desde cedo, seja para assumir os negócios (como executivo, acionista, ou conselheiro da empresa de sua família) ou ainda trilhar um caminho profissional fora da companhia.
“Um herdeiro é sempre visto como alguém com privilégios, mas suas responsabilidades são exponencialmente maiores do que os seus privilégios”, assegura Daniela de Rogatis, uma das mais respeitadas criadoras de programas de desenvolvimento e formação de herdeiros de abastadas famílias empresárias do país, em entrevista exclusiva ao FBFE, em sua sala na Rogatis Family, no Pacaembu, em São Paulo.
Trabalhando com jovens herdeiros de diferentes idades, mas abaixo dos 45 anos, Daniela diz já perceber uma substancial mudança na forma como eles concebem seus papeis na sociedade, levando em conta serem os futuros donos das fortunas de suas famílias. Diferentemente da geração yuppie, para a qual só interessava o “dinheiro pelo dinheiro” (pessoas hoje entre 45 e 50 anos), as novas gerações se preocupam com sua inserção no mundo, com seu país, sua cidade, sua comunidade, o planeta, e podem restaurar valores perdidos. Seriam mais humanizadas e responsáveis com os demais seres humanos e a saúde do meio ambiente. Acompanhe o que ela diz:
FBFE - Deve ter havido uma forte motivação para você direcionar seu interesse profissional á formação de herdeiros de famílias ricas. Poderia falar sobre isso?
Daniela de Rogatis: Existe uma confusão sobre o conceito de que uma pessoa nascida num cenário privilegiado terá poucos desafios ou poucas dificuldades à frente. Eu entendo que uma criança que tem dois brinquedos terá que cuidar de dois brinquedos, já uma criança que tem 200, terá que aprender outras habilidades muito maiores para poder cuidar de tantos. Se a gente não ensina desde cedo as crianças inseridas num cenário de privilégios socioeconômicos a lidar com tamanho desafio, ela chegará à idade adulta com menos competências do que deveria ter para lidar com o que a vida lhe apresentará, aí sim, com um desafio real. Um herdeiro é sempre visto como alguém com privilégios, mas na minha concepção as responsabilidades de um herdeiro são exponencialmente maiores do que os seus privilégios. Esse é um dos pontos que me levaram a esse assunto.
Em 2010 um extenso trabalho de pesquisa feito por mim para a faculdade se transformou no livro De Herdeiro para Herdeiro. Uma das perguntas mais frequentes dos 40 herdeiros que entrevistei tinha relação com uma dúvida crucial: “Que trajeto e carreira profissional seguir: dentro da empresa familiar, respeitando um desejo da família; como empreendedor em carreira solo; ou noutra empresa que não a familiar, mas em área de interesse pessoal?”. Na verdade, eu mesmo me fiz esta pergunta várias vezes e respondê-la foi o principal motivador da pesquisa que virou livro.