Patrícia Villela Marino: Liberdade para sonhar com um mundo melhor
Patrícia Villela Marino é empresária e empreendedora social, e leva projeto de reintegração para dentro das prisões e abre novas perspectivas para mulheres que querem romper um ciclo de violência e criminalidade.
No dia de seu casamento com Ricardo Villela Marino, os noivos substituíram os presentes por doações a projetos sociais e arrecadaram US$ 250 mil, distribuídos entre três instituições beneficentes: o Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graacc), o Instituto Rodrigo Mendes e a Associação Cruz Verde.
Desde então, o investimento de capital social privado em ações de impacto social fazia parte da vida da empresária e empreendedora cívico-social e de seu marido, presidente do Conselho Estratégico do Itaú Unibanco para a América Latina.
Com a intensificação das atividades, o casal foi orientado a adotar uma postura institucional. Estava aí a deixa para incluir no projeto o filho Daniel, hoje com sete anos.
“Achamos que era uma boa oportunidade para trazê-lo como nosso sócio, para que ele pudesse se sentir herdeiro de um capital social, e não apenas de um capital financeiro”, conta Patrícia Villela.
Envolver a família é um ponto fundamental. Afinal, a consciência política precisa ser construída desde a base. Patrícia conta que o aprendizado veio de berço: a mãe, a advogada Jane Rieper, e o pai, o ex-deputado estadual Floriano Leandrini, celebravam seus aniversários no orfanato São Judas Tadeu, na zona sulde São Paulo. Até os 27 anos de Patrícia, o ritual se repetiu.
“Aprendi o quanto sou privilegiada por ter essa família, por ter condições confortáveis de vida, mas também aprendi que tenho responsabilidades com a sociedade na qual eu vivo e que precisamos ser a família daqueles que não têm família.” completa Patrícia Villela Marino
Na educação de seu filho, ela reinventou a experiência à sua maneira: o aniversário de sete de Daniel foi celebrado dentro da penitenciária feminina de Tremembé, onde a empresária lidera um projeto de reintegração social com base no empreendedorismo.
“Eu tento elaborar de uma forma que faça sentido para ele, para ele se sentir envolvido, colaborando, participando”, explica, “muita gente acha que é traumatizante, mas não acho isso; traumatizante é manter nossos filhos dentro de uma bolha e, aos 18 anos, contar para eles que eles têm uma responsabilidade com o mundo”.
Quando a criança é educada sem ter contato com essa realidade, conhecendo apenas um alto padrão de vida e consumo, é mais difícil promover uma conscientização social “repentina”, diz a empresária.
Por isso, Patrícia destaca a importância de trazer a discussão política para dentro das reuniões dos conselhos de família – não a questão política partidária, mas uma dimensão da ética, da história política do País e da responsabilidade social empresarial em termos de construção de uma sociedade melhor.
“Precisamos levar cursos, levar vivências, levar experiências”, afirma. As famílias que estão envolvidas em projetos sociais e filantropia podem envolver os herdeiros nessas atividades. As que não têm essa tradição podem se unir a outros movimentos de voluntariado, a iniciativas que existem. Sentir o desconforto faz parte do desenvolvimento e do amadurecimento do ser humano. A política é o lugar do desconforto, é o lugar de perceber o outro, a sociedade em suas formas mais complexas.” (Patrícia Villela Marino)
Patrícia é presidente do Instituto Humanitas360 (H360) – entidade que busca intervir na sociedade de forma sistêmica, educando e capacitando pessoas, desenvolvendo metodologias inovadoras, colaborando com o poder público e fomentando políticas públicas para promover uma mudança de mentalidade e de cultura.
Criado em 2015, o Instituto busca transformar a realidade do Brasil e da América Latina atuando em três frentes: promoção da cidadania, transparência e combate à violência, com foco especial no nexo entre encarceramento em massa, crescimento de facções criminosas e tráfico de drogas.
“Precisávamos nos aprofundar nesse assunto para não ficarmos presos à questão da descriminalização ou não, da legalização ou não; para alguns países, aquele não era o momento para esse debate.” Patrícia Villela
No Brasil, o tráfico de drogas é o principal responsável pelo encarceramento de mulheres – 62% das mais de 42 mil brasileiras privadas de liberdade, muitas vezes introduzidas no mundo do crime pelos próprios parceiros. O projeto de cooperativas desenvolvido na penitenciária feminina de Tremembé é um desdobramento dessa história de estudo, pesquisa e ação social.
Na gíria popular, Tereza é o nome dado a uma corda feita com lençóis amarrados, usada em fugas; mas para cerca de 30 mulheres que cumprem ou cumpriram pena naquela penitenciária, o sentido é outro: uma forma de escapar da criminalidade, do desemprego e da falta de perspectivas.
Este foi o nome escolhido para uma marca de produtos artesanais com acabamento em alto padrão e designs exclusivos, produzidos por cooperativas e empresas sociais criadas na penitenciária. Hoje, os produtos são comercializados em uma loja virtual mantida pelo Instituto.
“Queremos garantir que essas mulheres tenham emprego e renda após terem a liberdade de volta, para que possam construir uma nova história, empreender, romper um círculo vicioso”, explica Patrícia.
O objetivo do projeto de cooperativas, além da reinserção social, é criar uma metodologia comprovada para diminuir a reincidência no crime e o retorno de mulheres ao sistema prisional. “As pessoas que estão dentro um dia vão sair e a sociedade precisa desenvolver mecanismos de reinserção social para que essas pessoas não retornem à criminalidade”, diz Villela.
O programa, que busca promover o empreendedorismo, é inspirado na iniciativa pioneira da Coostafe, Cooperativa Social de Trabalho e Arte Feminina, criada no Centro de Ressocialização Feminino de Ananindeua (Pará) pela diretora Carmen Botelho. Todo o dinheiro arrecadado com a venda de produtos é revertido para as cooperadas.
O trabalho da H360 é orientado a partir de um estudo desenvolvido em parceria com a The Economist Intelligence Unit (EIU), o índice de Engajamento Cidadão. A metodologia utilizada para comparar o engajamento e a participação cívico-social dos habitantes de sete países das Américas foi desenvolvida em parceria entre o H360, EIU e um painel de especialistas especialmente convidados.
Os países com maior índice de engajamento, de acordo com os resultados publicados em 2018, são Estados Unidos, seguido do Chile, Colômbia, México, Brasil, Guatemala e Venezuela.
“Meu sonho é reverter esse índice, sair da quinta posição; é de que possamos desenvolver no Brasil políticas que estimulem e viabilizem o engajamento cidadão porque é esse movimento de conscientização e de ação cívico-social que vai pautar governos, políticas públicas e orientar as transformações sociais”, diz Villela.
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