Ecofeminismo e Sustentabilidade Humana, foram os temas abordados por Flávia Lippi no FBFE Mulher 2021. A especialista em neurociência, e comportamento humano, trouxe um tema pouco falado no Brasil, mas muito importante. Flávia discorreu sobre ciência, comportamento e suas interferências na vida das pessoas.
Ecofeminismo é uma vertente do feminismo que conecta a luta pela igualdade de direitos e de oportunidades entre homens e mulheres, juntamente com a defesa e a preservação do meio ambiente. A justificativa para unir essas duas vertentes leva em consideração o fato de que as mulheres são desproporcionalmente mais afetadas por desequilíbrios ambientais. Grande parte do trabalho atribuído às mulheres é ligada ao cultivo da terra, à produção de alimentos e cuidados com a comunidade.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), as mulheres representam 80% das pessoas que são obrigadas a deixarem seus lares e buscarem refúgio em outros lugares por conseqüência das mudanças climáticas. Isso acontece porque elas têm maior probabilidade de viver em condição de pobreza e com menor poder socioeconômico. Esta realidade faz com que as mulheres tenham mais dificuldades para se recuperarem de situações extremas, como desastres naturais.
De acordo com artigo que faz parte da enciclopédia de filosofia da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, as mulheres pobres e chefes de família, principalmente aquelas da zona rural de países menos desenvolvidos, sofrem prejuízos desproporcionais causados por problemas ambientais, como, desmatamento, poluição da água e degradação da natureza, embora sejam as que menos contribuem para o aquecimento global.
A importante filósofa indiana Vandana Shiva, umas das líderes do Fórum Internacional de Globalização, destaca que as mulheres têm uma conexão especial com o meio ambiente por causa de suas atividades diárias. Só que essa conexão é ignorada pela maior parte da sociedade. Shiva afirma ainda que as mulheres em economias de sub-existência produzem a riqueza em parceria com a natureza e são especialistas em conhecimento global e ecológico sobre os processos naturais.
Esse modo de saber é totalmente orientado para os benefícios da comunidade e para o sustento da família. Essa característica não é reconhecida pelo paradigma capitalista, que não considera a interdependência da natureza e a conexão dos seres humanos, e muito menos a interdependência da vida das mulheres ou seu trabalho e conhecimento com a criação de riqueza.
Flávia chama a atenção para o fato que todos nós somos interdependentes. “Se entendermos isso, entendemos tudo. A figura da mulher está muito ligada à mãe-natureza, mas o ecofeminismo vai além disso. Ele vai resgatar as raízes das relações sociais e culturais”, comenta.
Ao longo da história da humanidade, a mulher tem essa ligação em diversas culturas. Trata-se de uma reparação histórica da mulher e do planeta.
O termo ecofeminismo apareceu pela primeira vez em 1974. Foi escrito pela feminista francesa Françoise D’Eaubonne que fundou, em 1978, um movimento chamado ecologia e feminismo na França.
A relação entre mulher, ciência e natureza estava entre as principais preocupações do movimento feminista. E entrou na vida de Flávia em 1992. O corpo, a vida das mulheres e a própria natureza, têm sido controlados por uma lógica patriarcal da sociedade, onde o homem interfere com técnicas e estratégias para exercer o controle de todos esses elementos.
A pesquisadora feminista, Rosemary Radford Ruether, diz que não há empoderamento para as mulheres sem a solução da crise ecológica global, numa sociedade com relação de dominação. Daí a junção do movimento ecológico com o feminista, que vislumbra uma mudança concreta e radical nas relações socioeconômicas e nos valores da sociedade industrial. A ideia, tão simples do ecofeminismo, é a de fomentar a colaboração ao invés da dominação, respeitando todos os seres, incluindo ter maior compaixão pela nossa própria espécie. Tudo isso é para salvar a vida da humanidade.
O patriarcado capitalista que rege o sistema político, social e econômico em tempos globais é o grande responsável pela destruição do planeta, assim como pela falta de direitos e oportunidades para as mulheres. Esse sistema tem tendência a polarizar a realidade, o que gera um ambiente de competição contínua: homem versus mulher. Natureza versus tecnologia. Ser humano versus animal. Esse clima de disputa contribui para a subordinação da natureza e da mulher, com base na crença do poder mais forte, onde um grupo tenha que dominar o outro.
No livro Ecofemismo, de Shiva, é dito que esta estrutura se criou, cresceu e se mantém por meio da colonização da mulher, de populações originárias, de suas terras e da natureza, que é gradualmente destruída. Para sair desse ciclo vicioso, o ecofeminismo propõe uma nova perspectiva que reconheça que a vida em sociedade e a sua relação com a natureza deveriam se fundamentar na cooperação ou interdependência. Somos todos um.
Embora estejamos acostumados com o capitalismo, há alternativas, cujo foco principal é outra forma de relacionamento com a natureza. Por exemplo, na agricultura, o plantio poderia ser livre de poluentes; na geração de energia, pode-se usar outras fontes não baseadas em carbono. São formas que desafiam o que fazemos hoje. Uma visão mais ampla da atividade econômica deve considerar a satisfação das necessidades de todos dentro dos limites do planeta, ao invés de um crescimento ilimitado, custe o que custar. A economia circular deve ser olhada mais a fundo.
A pandemia da Covid-19 nos faz repensar o consumo, a educação e, principalmente, a relação com o planeta e com nós mesmos, reforça Flávia. “É hora de reinventar e redescobrir potenciais para trocas significativas baseadas na compaixão. Várias organizações já estão fazendo isso, como a Rede de Desenvolvimento Humano no Brasil”, comenta.
Flávia Lippi se define como uma feminista existencialista e afirma que o ecofeminismo tem relação também com um campo específico e acadêmico, essencial para se pensar no desenvolvimento global e na atuação das empresas nos dias de hoje: a ecologia profunda. A palestrante cita Joanna Macy, uma ativista ambiental de 90 anos ainda atuante, que é pioneira do movimento:
“Ela fala sobre a grande virada de chave necessária para o desenvolvimento de uma sociedade mais voltada para a sustentabilidade de todas as vidas do planeta. A principal ideia por trás da ecologia profunda é que o mundo é sustentado por uma série de relações complexas em todos os seus organismos. E a existência de cada ser vivo depende do outro. A nossa escolha sobre o que comer, como ir ao mercado, impacta na existência de milhões de seres vivos”.
Flávia, que por mais de 20 anos, foi co-criadora e apresentadora do repórter Eco, o primeiro programa específico sobre ecologia da TV no Brasil, co-criou o Instituto dedicado ao Desenvolvimento e Sustentabilidade Humana (IDHL), junto com o pai, psiquiatra e cientista. “O foco se voltou para o essencial: nós mesmos. O que mostra que as formas de liderança têm de mudar. É necessário retomar a ideia de ecologia profunda. Nossas ações diárias impactam muito mais do que podemos imaginar. As escolhas afetam todo o nosso redor e o planeta. Nossa sociedade precisa garantir que a sustentabilidade humana, ambiental e planetária seja considerada em todos os processos corporativos, de forma que consigamos ser e praticar a diferença que queremos ver no mundo”, destaca.
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