Pensando a empresa familiar além da fórmula
A empresa familiar usualmente é apresentada no mundo acadêmico e da consultoria de negócios como um sistema formado por três instâncias, ou círculos: o da empresa, o do patrimônio e o da família empresária. O primeiro círculo, a empresa, ou o negócio propriamente dito, é o foco principal da gestão e das preocupações dos sócios, especialmente no que se refere aos perigos que podem colocar em risco o sucesso e a durabilidade do empreendimento. Nesta instância, o foco é a gestão da empresa, com ou sem membros da família na diretoria ou conselho de administração, e com a recomendação de professores e consultores para que se adotem as boas práticas de Governança Corporativa.
O segundo círculo é representado pelo patrimônio, que por sua vez costuma ser maior até do que a própria empresa familiar. Inclui tudo aquilo a que os herdeiros e sucessores têm de direitos previstos na legislação brasileira, como ações, imóveis, bens materiais, investimentos em outras empresas, aplicações no mercado financeiro, que também precisam ser organizadas para evitar a pulverização desenfreada da riqueza acumulada conforme a família vai aumentando, sempre em progressão geométrica. O terceiro círculo do diagrama corresponde à família, e é formado pelas pessoas que, mesmo sem terem sido escolhidas, são ou serão sócias no patrimônio e no controle da empresa.
As implicações da figura dos três círculos acima mencionadas começam a se tornar mais nítidas no momento de transição da primeira para a segunda geração da família, o que quer dizer: do fundador, ou dos fundadores, para seus filhos – e com estes, genros e noras. Nessa nova configuração empresarial, irmãos, irmãs e “agregados” serão sócios impostos por uma condição legal, e, provavelmente, terão de estabelecer as regras que nortearão o seu desempenho neste novo papel nas relações com a empresa e com a família. Essa fase de transição traz riscos notórios à sobrevivência da empresa familiar que tem alta taxa de mortalidade. (Segundo o IBGE, 2/3 das empresas familiares brasileiras morrem na segunda geração. Dados mais alarmantes, ainda, temos quando descobrimos que apenas 5% das empresas familiares sobrevive da terceira geração em diante.)
Como solução corriqueira a este modelo padrão de empresa familiar, as alternativas apresentadas por professores, consultores e especialistas de negócios que visem à longevidade e sustentabilidade da empresa familiar sempre passam pelo tema da ampla profissionalização da família, da propriedade e da gestão, e de atuação focada no modelo de Governança Corporativa. Estas soluções costumam ser factíveis na organização da empresa familiar para solucionar os desafios básicos no universo empresarial, porém, na grande maioria das vezes, estes modelos são insuficientes para solucionar dilemas mais sofisticados na família empresária e na condução dos negócios nos dias atuais. Isto ocorre porque esta fórmula clássica dos três círculos, mencionada para apontar a perpetuidade da empresa familiar, é insuficiente, incompleta e falha ao não levar em conta o fator das incertezas em um mundo globalizado, onde o imprevisível é recorrente.
A família empresária que queira, de fato, superar os seus dilemas de sobrevivência deverá evoluir na ciência do seu pensamento e trabalhar soluções com base no pensamento complexo e integrador. Aceitar a incerteza é antes de mais nada uma atitude realista. Ao aceitar a incerteza, a teoria da complexidade propõe formas de pensamento não modeladoras, não “padronizadoras”, mas coerentes com a noção de que não é possível construir modelos como os dos três círculos como a solução ideal, sem levar em conta uma realidade múltipla, diversificada e em constante mudança.
Na condição de representação, a fórmula dos três círculos e suas soluções para a longevidade da empresa familiar são quase sempre estáticas e repetitivas, por maior que seja o nosso desejo de considerá-las “exatas” ou “perfeitas”. A complexidade é considerada um fato, algo objetivo, não sendo compreendida como um conceito teórico. É uma infinidade de sistemas e fenômenos, constituindo uma multiplicidade de elementos que se entrelaçam e interagem, formando a realidade, o mundo natural. Este pensamento possibilita compreender a realidade, suas alterações frequentes, a multiplicidade de variáveis que a compõe, incluindo nesta realidade as manifestações aleatórias, a incerteza.
O pensamento complexo contesta a percepção totalmente objetiva da realidade da empresa familiar, compreensão esta relativa ao pensamento linear cartesiano que, fundamentado no empírico, afirma uma única realidade. Os sócios de uma família empresária, que de fato queiram dar longevidade à sua empresa, deverão extrapolar o raciocínio cartesiano, ou pensamento linear tradicionalmente representado pelos três círculos para buscar novas soluções aos dilemas da família empresária através da compreensão do pensamento complexo.
A gestão da complexidade na família empresária irá demandar a utilização de algumas medidas que prolonguem sua eficácia: (i) o alinhamento dos processos de gestão da complexidade com os objetivos estratégicos da empresa, (ii) métodos eficazes de tomada de decisões e (iii) o acompanhamento dos resultados das decisões tomadas. É preciso alinhar o que a empresa familiar pretende fazer em termos de estratégia com os métodos e técnicas que ela usa para gerenciar a complexidade.
Já na tomada de decisões, seja por métodos quantitativos ou qualitativos (os quais, longe de se excluir mutuamente, são complementares), é importante levar sempre em conta a complexidade das situações e se ela está sendo gerenciada. As decisões devem ser compatíveis com as metodologias de gestão. Assim, os sócios da família empresária que decidem os rumos da empresa precisarão estar familiarizados com os conceitos, métodos e técnicas de gestão da complexidade caso, de fato, queiram dar longevidade à sua empresa.
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