Acostumados às transformações cada vez mais rápidas e com graus de disrupção cada vez maiores, fomos todos surpreendidos por algo inimaginável: a Covid-19. Uma pandemia, que alterou a ordem de praticamente tudo em nossas vidas e nos negócios. Decisões que em épocas normais levariam muito tempo, passaram a ter de ser tomadas em poucas horas. Planos ainda não muito maduros foram colocados em prática, porque o risco de ficar inerte passou a ser maior do que possíveis resultados não previstos.
Experimentamos uma migração sem precedentes para o trabalho remoto que, certamente, terá impacto permanente na forma como trabalhamos, como constata uma pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral entre o fim de março e o começo de abril. A digitalização é um caminho sem volta. A tendência, já vislumbrada e em curso antes da eclosão da pandemia Covid-19, se acelerou e deve ganhar ainda maior ritmo e impor importantes desafios.
Um dos aspectos destacados pelos 700 entrevistados pela Fundação Dom Cabral é a necessidade de amadurecer a relação entre líderes e liderados, especialmente no que toca ao monitoramento e mensuração de resultados. Os mecanismos e processos precisam ser reavaliados, ajustados e melhor adequados ao atual contexto e essa mudança tem de ser alicerçada na confiança.
Confiança, aliás, será o mantra que dará suporte ao que vem sendo chamado de novo normal, a realidade pós-pandemia. Uma das conclusões da edição especial sobre a covid-19 do Edelman Trust Barometer é que as pessoas passaram a ver a empresa para a qual trabalham como a fonte mais confiável de informações sobre o novo coronavírus. Ou seja, durante o isolamento social, estão confiando mais nas informações que recebem de seus empregadores do que nas fornecidas pelos governos e até mesmo pelos veículos de imprensa.
De acordo com o Índex Global de Incerteza Pandêmica, desenvolvido pelo Fórum Econômico Mundial, contemplando 143 países, a incerteza gerada pela covid-19 é três vezes maior do que a provocada pela Síndrome Respiratória Aguda Grave, entre 2002 e 2003, e 20 vezes maior do que durante a epidemia de Ebola.
Nesse ambiente de tamanha insegurança e mudanças, caberá aos líderes empresariais priorizar e proteger sua força de trabalho, exercendo a liderança para equilibrar o impacto emocional provocado pela ameaça do novo coronavírus. As organizações devem se tornar o ambiente seguro que fará ressurgir em todos a confiança para estabelecer os novos padrões e rotinas.
Os negócios familiares terão um papel fundamental nesse processo de retomada. Não apenas porque 80% das empresas no mundo têm origem em empreendimentos familiares, mas pelo fato de que são elas, por suas características inerentes, como o elevado nível de engajamento, propósito consistente e valores bem fundamentados, que possuem o ambiente de confiança e a liderança inspiradora capazes de transmitir aos funcionários e clientes a segurança que o momento adverso requer.
Num artigo sobre liderança e gestão de equipes remotas, publicado recentemente num especial da “Harvard Business Review” sobre a economia pós-covid-19, os professores Barbara Z. Larson, Susan R. Vroman e Erin E. Makarius afirmam que se o líder “comunica estresse e desamparo, isso desencadeará o que o autor Daniel Goleman chama de efeito ‘gota a gota’ sobre os funcionários”. Segundo eles, líderes eficazes adotam uma abordagem de mão dupla, reconhecendo o estresse e a ansiedade em seus liderados e, ao mesmo tempo, reafirmando a confiança na capacidade de suas equipes de encontrar soluções e superar dificuldades e transmitindo mensagens de encorajamento.
Mais do que servir como referência e inspiração, os líderes empresariais terão de dar especial atenção à transparência e colocar em prática os fundamentos da comunicação não violenta. Será ainda mais necessário exercitar a capacidade de ouvir genuinamente seus liderados, despindo-se de qualquer juízo de valor ou rótulos já formados para que possam compreender de verdade as preocupações do outro.
Paralelamente, terão também de acompanhar as mudanças do público externo, cujos padrões de comportamento e consumo também sofreram as consequências da pandemia. Os planejamentos das empresas, que foram pensados antes da covid-19, já não são apropriados no contexto atual e nem serão para o cenário pós-crise, com consolidação de novos comportamentos. Mas, por outro lado, também não se pode simplesmente acreditar que a realidade criada pela pandemia se tornará a nova regra.
Quanto aos aspectos práticos, o retorno ao trabalho passa pelo cumprimento de todos os protocolos de saúde, a revisão da estrutura física e organizacional e de processos, a definição de novos hábitos e regras de comportamento e a adoção de uma série de procedimentos. As primeiras medidas são as adaptações físicas no ambiente de trabalho com o redesenho da ocupação do espaço respeitando o distanciamento mínimo.
Assim como a eclosão de uma pandemia pegou todos nós de surpresa, a volta ao trabalho será um processo totalmente novo que irá requerer aprendizado, readequações e correções de rota. Para tanto, a comunicação tempestiva e transparente será fundamental. Pessoas bem informadas são mais eficientes e engajadas. Criar novos hábitos e comportamentos, modificar processos, muitas vezes já arraigados, e disseminar procedimentos demandará um plano de ações de transformação organizacional e o treinamento de lideranças para esse novo contexto, além do monitoramento permanente do clima interno.
Acima de tudo, é importante oferecer canais e oportunidades para ouvir as pessoas. Ao tornar possível essa comunicação, as empresas podem transformar a crise da covid-19 em uma oportunidade para fortalecer a cultura corporativa e aumentar o engajamento de seus profissionais, acelerando a retomada dos negócios e obtendo o melhor resultado para todos.
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