Como transformar empresa familiar em família empresária
A receita está no livro do professor, consultor e pesquisador brasileiro de Family Business, Henrique Lyra Maia, lançado este ano e que só pelo título já chama a atenção nas prateleiras: De empresa familiar para família empresária. Maia entrevistou vários presidentes e executivos de empresas e consultou extensa bibliografia para discorrer sobre a importância desse salto e ensinar como praticá-lo para que tanto a empresa familiar como a família empresária se tornem longevas e passem da segunda geração.
O que não falta ao pesquisador são credenciais acadêmicas. Acompanhe: ele é graduado e pós-graduado em Administração de Empresas pela Universidade de Fortaleza e em Administração Geral pela Fundação Getúlio Vargas. Fez especializações na Harvard Business School, no MIT-Instituto de Tecnologia de Massachusetts e na Universidade de La Verne. Entre muitos outros títulos.
O livro de Maia apresenta 7 pilares para que as empresas familiares desenvolvam sustentabilidade ao longo dos anos, que seus membros se tornem uma família empresária e possam ultrapassar gerações sempre com sucesso. Acompanhe sua entrevista a seguir:
FBFE – Que motivações o Sr. teve para se especializar em Family Business? Pertence a uma família empresária?
Henrique Lyra Maia: Atuo no mercado de consultoria em gestão há mais de dez anos e é muito corriqueiro encontrar uma empresa familiar como cliente. Estima-se que cerca de 90% das empresas brasileiras sejam familiares, portanto, a probabilidade de encontrar uma é muito fácil. Adicionalmente, sou membro da terceira geração de uma empresa familiar que tem 60 anos no mercado. Então esse assunto sempre rodeou os assuntos ligados à minha profissão e também à minha pessoa. De certo modo, acabou acontecendo naturalmente.
FBFE – Em sua opinião, por que o tema Family Business está tão em alta e há tanto interesse em instrumentalizar as famílias empresárias em todo o mundo para evitar a descontinuidade ou a quebradeira de seus negócios? Seria uma reação à globalização e à formação cada vez mais frequente de poderosas corporações mediante a absorção de empresas familiares, sejam elas de pequeno, médio ou grande porte?
Henrique Lyra Maia: Historicamente as empresas familiares têm sido mal vistas por terem características de informalidade no seu modo de conduzir. Inúmeros são os casos de brigas familiares, mistura no patrimônio e pagamento de contas da empresa com as da família, apontamento de membros familiares não preparados para certas funções, apenas para nomear algumas. De certo modo, a comunidade científica e profissional no passado discriminava um pouco esse tipo de empresa e era considerada uma forma de organização indesejável. Muitos autores argumentavam que a empresa familiar era apenas um estágio imaturo de organização, na qual naturalmente seria aberto o capital para ela se tornar “profissional”. O próprio termo “profissionalização” historicamente tem sido empregado quando uma empresa familiar retira todos os membros da família do negócio e põe executivos contratados. Era como se a empresa familiar não pudesse ser “profissional” com membros familiares dentro da organização. Todo esse contexto começou a mudar quando pesquisas mais estruturadas começaram a aprofundar esse tipo de arranjo societário. Por exemplo, muitas pesquisas chegaram à conclusão de que empresas familiares são mais lucrativas, longevas e apresentavam maior perenidade do que empresas não familiares. Como resultado, a comunidade científica e profissionais do mercado como um todo começaram a renovar seus conceitos perante a empresa familiar. Na verdade, o problema não é a empresa familiar em si, mas como ela se organiza como família empresária. Se ela procura desenvolver pilares sólidos de gestão nos âmbitos do negócio, da família e da sociedade, é muito provável que uma empresa familiar apresente uma imagem tão profissional quanto uma não familiar. Isso começou a atrair inúmeros profissionais, consultores e pesquisadores para expandir o conhecimento de como tudo isso pode ser feito. Esse é o momento que estamos hoje, uma mudança nos conceitos e no paradigma da empresa familiar. A quantidade de profissionais que oferecem serviços nos três âmbitos tem crescimento consistentemente ao longo dos anos.
FBFE – Para o seu livro de estreia o Sr. fez ampla pesquisa bibliográfica e também entrevistou vários presidentes e executivos de empresas. Poderia mencionar alguns deles? Os presidentes são também fundadores das empresas ou CEOs? Entre os executivos, estão diretores de áreas? Alguns são membros familiares? O que o levou a essas escolhas para as entrevistas?
Henrique Lyra Maia: O livro na verdade é uma junção de muitas coisas ao mesmo tempo: experiência ao longo desses anos na consultoria, livros, artigos, entrevistas com presidentes, executivos, conversas com outros profissionais da área, entre outros. As entrevistas foram baseadas em organizações familiares de diferentes portes, segmentos, idade e relações familiares. Além disso, também tiver a oportunidade de realizar projetos em organizações de diversos tipos como as familiares, não familiares, empresas familiares “profissionalizadas”, ONGs, organização governamental, entre outras. Ao somar todas essas experiências, esse livro agregou um compêndio de conhecimento vasto que é muito maior do apenas as minhas experiências individuais. Como eu comento no próprio livro, essa obra representa todo esse conhecimento de todas essas pessoas e expostas de maneira simples, objetiva e direta, por esse motivo acredito que a obra tem sido muito elogiada por empresários, executivos e profissionais da área.
FBFE – O que foi mais frequente nas respostas desses presidentes e executivos de empresas? O que pesa mais em suas respostas: conflitos familiares, problemas de natureza econômica, disfunções administrativas? E por que em sua opinião?
Henrique Lyra Maia: Os problemas encontrados acabam sendo um conjunto amplo porque cada empresa familiar apresenta um contexto único e ao somá-los acabamos por encontrar um pouco de tudo. Por exemplo, há famílias empresárias que são unidas e têm um fundador forte e agregador, no entanto, quando se trata da gestão da empresa, muitas são extremamente desorganizada. E pode até parecer um absurdo, mas já presenciei vários casos de empresas familiares com faturamento acima de R$ 400 milhões anuais que nem sequer tinham orçamento. Uma em particular, faturava R$ 2 bilhões e não tinha orçamento implantado. Em outras organizações, encontrei uma forma de gestão mais avançada como orçamento, plano de cargos e salários, planejamento estratégico, sistema de gestão baseado em metas, sistema ERP e muitos outros programas de gestão implantados, no entanto, um conflito muito grande na família atrapalhava todo o processo. De maneira geral, é muito mais fácil resolver problemas relacionados à gestão da empresa do que aos conflitos familiares. Acredito que um dos fatores determinantes do sucesso de uma família empresária a longo prazo é a união do bloco de acionistas em torno de objetivos e princípios comuns e a capacidade de renunciar aos próprios desejos individuais em prol do todo.
FBFE – Por que há necessidade de trilhar sete pilares essenciais para promover a transformação de uma empresa familiar em família empresária? Qual a diferença, depois de sua pesquisa, entre empresa familiar e família empresária? Que benefícios se auferem nesta transição?
Henrique Lyra Maia: Os 7 pilares foram criados para fornecer um bloco de sustentação para a empresa familiar conseguir se perpetuar ao longo de gerações. É um guia para as empresas familiares utilizarem ao longo da sua jornada para se transformar: De empresa familiar para família empresária, como diz o título do livro. Esse trocadilho tem tudo a ver com os pilares contidos nele, e uma vez implantados fará com que membros de uma empresa familiar fiquem mais próximos de se tornarem uma família empresária. Não é necessário implantar todos de uma vez, cada empresa familiar tem seu contexto único e deverá escolher o pilar que mais se adéqua ao momento que esteja vivenciando.
FBFE – O Sr. poderia adiantar quais são os sete pilares? E dar uma síntese do que cada um representa, uma vez trilhado, para que uma família se torne empresária?
Henrique Lyra Maia: Os pilares permeiam tanto assuntos ligados à família, quanto aos negócios e ao bloco de acionistas. A proposta do livro é trabalhar temas considerados complicados como, por exemplo, “Governança”, de uma maneira didática e simples. Tomando o exemplo, o primeiro Pilar “Governança”, comento no livro que é necessário na empresa familiar discutir assuntos estratégicos de uma maneira estruturada. Sem a instituição de um conselho ou reunião de sócios com regras de funcionamento claras para discutir o futuro da empresa, cada um irá impor sua opinião de como conduzir os negócios. Uma vez traçado o plano para o futuro dos negócios e em comum acordo com os sócios, é importante eleger um presidente ou um diretor geral que será responsável pela execução desse plano e pela performance da empresa. Sem um comandante geral, haverá inúmeros conflitos porque cada sócio irá querer interferir nas decisões operacionais, funcionamento e dia-a-dia básico da empresa. Ao separar a reunião de sócios e o comando da empresa para execução dos planos, incontáveis conflitos podem ser minimizados ou extintos. Esses são apenas alguns itens que são abordados de maneira didática para informar que o Pilar “Governança” não está restrito necessariamente a empresas de grande porte ou de capital aberto. Governança nada mais é do que uma decisão estruturada de como a família empresária irá administrar a empresa e isso não tem nenhuma relação causal com porte, tamanho ou segmento daquela empresa familiar. Em relação ao resumo de cada pilar, utilizo aqui um trecho do próprio livro com uma síntese de cada um deles:
- Governança: lida com questões relativas à forma como uma empresa será administrada;
- Autodesenvolvimento da família empresária: está associado a como os empresários irão crescer como profissionais e como pessoa, para que assim a empresa possa atingir seu potencial;
- Time campeão: ressalta a importância de se ter um time campeão para que a empresa possa crescer de maneira sustentável;
- Crescimento e diversificação: reforça a necessidade de crescer e diversificar os negócios da família;
- Formação de herdeiros e sucessores: destaca a importância de se ter um processo consciente de transformação de herdeiros em sucessores;
- Comportamentos de família empresária: explora o comportamento que famílias empresárias profissionalizadas e bem-sucedidas apresentam;
- Disciplina: alerta que a disciplina é fundamental para que os outros pilares não venham a desmoronar todos os outros.
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