Família unida, empresa familiar próspera. Aposte no Conselho de Família
São muitas as ferramentas que auxiliam a família empresária a consolidar o sonho do fundador e fazê-lo perdurar por gerações. O Conselho de Família-Cofa está entre as principais. O FBFE entrevista sobre o assunto o professor Fernando Curado, que há 25 anos atua exclusivamente com empresas familiares industriais, comerciais e de serviços. Curado é formado em engenharia, com mestrado e Ph.D., tem conhecimentos em psicologia e psicanálise, três livros publicados pela Editora Saint Paul e também em e-book, entre eles A Empresa Familiar a Salvo de Rupturas, e é o criador da MSCI Governança e Estratégia, consultoria empresarial orientada a empresas com estrutura familiar de capital.
FBFE – Como conceituar Conselho de Família-Cofa?
Fernando Curado: Conselho de Família-Cofa é uma organização que compreende todas as pessoas de uma mesma família empresária e tem a incumbência de promover reuniões dessas pessoas para: 1) reforçar a importância de ficarem juntas para que a família se perpetue como sócia nos negócios e 2) tomar decisões relativas aos negócios: quanto retirar deles, quanto investir, como manter o legado, que diretrizes dar aos conselheiros corporativos e executivos da empresa e assim por diante. O Cofa pode decidir, por exemplo, que não deseja que a empresa entre no ramo de distribuição de bebida alcoólica, apesar de isso ser legal, possível e recomendado aos negócios. O Cofa também tem a grande missão de manter o legado, ou seja, o que a família recebeu das gerações anteriores e que deixará para as próximas.
FBFE – Legado no sentido material ou no sentido ético e moral?
Fernando Curado: Considero muito mais importante o sentido ético e moral do legado do que seu sentido econômico-financeiro, embora saco vazio não pare em pé. Obviamente, é preciso que os aspectos econômicos sejam considerados, mas em nossa visão prevalece o modelo dos quatro níveis – sonho e desejo, sociedade (dos sócios), corporação (coleção de negócios) e unidade dos negócios (ativos necessários para produzir resultados). É nessa vertical que olhamos a empresa familiar e o Cofa.
FBFE – Existe diferença entre Cofa e Family Office?
Fernando Curado: O Family Office faz parte do Cofa. É ele que trata das questões mais mundanas da família como pagar contas de luz, água e IPTU, supermercado, salários dos empregados domésticos, viagens dos membros e todas as demais despesas familiares, além de decidir como e em quê aplicar o dinheiro da família. O Family Office tem funções de concierge e de assessor financeiro. Deve ser instalado para separar as despesas da família das despesas relativas aos negócios.
FBFE – Do Conselho de Família fazem parte todos os membros familiares ou membros eleitos representando os diversos núcleos da família?
Fernando Curado: Varia conforme o tamanho da família. Se for uma família como a dos Ermírio de Moraes, que em uma geração chegou a ter mais de 60 integrantes, deve haver eleição de pelo menos um representante por núcleo. Já se a família tem três ou quatro herdeiros, todos podem participar. Importante no processo de representação é haver várias gerações representadas. Quando a gente quer olhar para o futuro, mas também transmitir legado, não pode ter somente idosos ou somente jovens no Cofa. É fundamental a presença das várias gerações para se ter diferentes visões de mundo. Já vi famílias que trabalham seus membros desde os dez anos, assim como os adolescentes, depois os jovens, os maiores de 40 anos, os maiores de 50 e assim por diante. Depende de onde se quer chegar e do valor que se dá ao legado.
FBFE – O que seria o Guardião do Legado?
Fernando Curado: É aquele membro familiar (homem ou mulher) que mantém o legado e se encarrega de transmiti-lo às próximas gerações. Aqui falamos de valores a serem mantidos e não de bens materiais. Em muitas famílias, o Guardião do Legado é uma mulher, às vezes a avó. Outras vezes é o primeiro executivo, ou o fundador. Quando uma empresa familiar tem em sua retaguarda uma família saudável, que se importa com a continuidade da união familiar e societária, certamente tem alguém que promove esse equilíbrio e transmite valores. Numa empresa familiar bem sucedida alguém se ocupa de levar o legado adiante.
FBFE – A escolha do Guardião do Legado se baseia em quê?
Fernando Curado: É a pessoa que agrega, que todos os familiares ouvem e respeitam. Às vezes as mesmas qualidades estão em uma mesma pessoa, às vezes estão separadas, e aí é preciso ter mais de uma. É fundamental que haja o Guardião do Legado. Um exemplo interessante, embora em sua época nem se falasse em Governança Familiar, é o do senador José Ermírio de Moraes (1900-1973), fundador do Grupo Votorantim. É inestimável o trabalho que fez com os netos, reunindo-os durante as férias de verão e inverno para lhes transmitir seu legado imaterial, prevendo que teriam de conviver e estar unidos no futuro. Ele os ensinou e incentivou a permanecerem juntos. O Guardião do Legado faz isso, promove atividades de agregação. É ele quem convida: “Vamos passar um fim de semana juntos? Vamos fazer uma escalada, uma trilha, um passeio, um churrasco?”.
FBFE – Hoje já existem ferramentas para alcançar tal harmonia, não é assim?
Fernando Curado: Sim, são ferramentas desenvolvidas com base na psicologia, sociologia e administração, que sugerem a adoção da Governança Familiar, com a criação do Conselho de Família-Cofa e a constituição do Family Office, e da Governança Corporativa, esta voltada exclusivamente aos negócios. O Cofa deve se reunir pelo menos uma vez por ano. E também pelo menos uma vez por ano deve programar atividades de agregação da família empresária.
FBFE – As estratégias diferem com as crianças…
Fernando Curado: É claro. Eu não posso apresentar a um menino de 10 anos um balanço da empresa, mas posso levá-lo para conhecer a fábrica, pedir-lhe para desenhá-la, para dizer do que mais gostou. Importante é que comece a valorizar o que afinal será seu. Ouvi certa vez Marcos Ermírio de Moraes, da terceira geração do Grupo Votorantim, dizer que o avô – o senador – comprou uma casa na praia e outra no campo e insistia com o filho e a filha que as férias dos netos fossem passadas com ele, ora numa ora noutra casa. Disse o Marcos: “Aprendi a fazer brincadeiras e traquinagens com meus primos. Conheci meus primos desde criança. Quando trabalhamos juntos eu sabia exatamente como eles eram.” O oposto é ter gente cuja família pouco se importou em se reunir e o resultado, com o passar do tempo, foi cizânia, desagregação. Toda empresa familiar que tenha chegado à quarta ou quinta geração apostou em harmonia entre os seus membros desde sempre.
FBFE – Os negócios são importantes, mas os herdeiros podem ser mais, é isso?
Dou um exemplo: se os filhos são educados num ambiente de extrema competição – e já vi muitos pais que fazem isso – , não construirão uma sociedade no futuro, porque quando forem ser sócios só saberão competir. Sócios têm que se aliar e alinhar. Na família empresária há vieses de comportamento humano, de formação, de formas de trabalhar, econômicos, psicanalíticos… é um grande caldeirão.
FBFE – Sua empresa, assim como várias outras no mercado, presta serviços a empresas familiares. Hoje até as escolas de administração têm programas nessa linha. Por que, o que aconteceu?
Fernando Curado: Aumentou a complexidade. O botequim da esquina virou uma vendinha, que virou um pequeno supermercado, que virou uma rede de lojas que agora fatura R$ 800 milhões por ano. Era uma mulher, que teve três filhos que tiveram dez filhos. É maior o número de pessoas envolvidas, o que amplifica a complexidade, porque os desejos não são mais uniformes. Vejamos a questão da agregação: são três irmãos que se casaram e tiveram filhos. São três mães com três cabeças diferentes. São três casais educando seus filhos de formas diferentes, com valores familiares diferentes. Ou alguém agrega essa história toda ou a probabilidade de sobrevivência da empresa familiar será muito pequena. Preciso garantir que meu familiar seja competente e que eu consiga conviver com ele da melhor maneira possível, do contrário minha família se desagrega e a empresa deixará de gerar riqueza.
FBFE – Competência nesse caso não é só para o negócio, mas para o relacionamento intrafamiliar.
Fernando Curado: É óbvio. Um exemplo: dois irmãos, sócios. Um é médico e o outro é engenheiro. A companhia é de engenharia. O médico chega e diz: “Quero meu dinheiro porque quero construir uma clínica”. O engenheiro observa: “Quero reinvestir no negócio porque ele precisa crescer”. Quem está certo? Os dois. É aí que o agregador faz toda diferença. Não há nada de errado em querer coisas diferentes, mas é possível chegar a um consenso de forma educada, madura e civilizada, ou seja, de forma que sejam reconhecidas as diferenças e aceita uma ou outra possibilidade, até que as duas possam ser satisfeitas.
FBFE – O apoio de uma assessoria pode ser importante.
Fernando Curado: Nossa prática pode envolver trabalhos com famílias, sócios, competências e condução dos negócios. A gente cobre todas essas áreas, mas nem sempre tudo isso é necessário. De repente o problema está no relacionamento familiar, porque o resto está bem. Outras vezes é na competência que está havendo o problema, porque continuo fazendo como fazia há 30 anos, mas o mundo se digitalizou, o negócio está ficando obsoleto, precisa ser revisto, reinventado, mas eu teimo em fazer como antes. Importante é identificar onde está a maior necessidade e atacá-la de forma quase cirúrgica.
FBFE – O Cofa pode convocar um consultor que ajude?
Fernando Curado: Os consultores especializados no desenvolvimento da família podem ajudar a restabelecer o equilíbrio necessário e o alinhamento de sonhos e desejos na família, de desejos entre o sócios, de competências na corporação e de ativos adequados ao negócio, para que este volte a ganhar dinheiro a partir da introdução de modernizações que levem à retomada da competitividade. E isso que estou dizendo aqui é 100% brasileiro. Os gringos não pensam assim. Reconhecer que existem desejos faz toda diferença. O trabalho começa por aí. Estamos falando de família empresária e empresa familiar: um sistema complexo, interligado e interdependente.
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