Profissionalização da empresa familiar. Com a palavra: Marco Antônio Bologna.
Dono de respeitável currículo profissional, o executivo financeiro Marco Antonio Bologna, atual presidente do Banco Fator, é mais do que qualificado para falar de profissionalização da empresa familiar. É engenheiro de produção formado pela Politécnica da USP em 1978, com extensão em Serviços Financeiros pela Manchester Business School, no Reino Unido, e está no mercado há 39 anos, sempre atuando em grandes empresas. Sua trajetória acha-se ligada à de empresários de sucesso no Brasil, como Olacyr de Moraes (1931-2015), conhecido como “Rei da Soja”, e o comandante Rolim Amaro (1942-2001), fundador da TAM.
FBFE – Com tanta expertise na gestão de empresas familiares, qual seria a seu ver a principal diferença entre elas e outras empresas?
Marco Antônio Bologna: O que vejo nas empresas familiares é a emoção prevalecer sobre a razão. O profissional que chega tem a obrigação – de maneira obviamente educada – de questionar os paradigmas das empresas familiares e de criar um ambiente profissional, de meritocracia. Não significa que um membro da família não possa trabalhar, mas ele terá que merecer e ser qualificado para isso.
Bologna iniciou sua carreira no sistema financeiro em bancos multinacionais. Trabalhou no Credit Lyonnais (francês), no Lloyds Bank (inglês) e no Chase Manhattan Bank (norte-americano). “Eram empresas absolutamente profissionalizadas”, recorda. “Mas é óbvio que em todas havia alguma presença familiar importante, principalmente no Chaise, da família Rockefeller.” Depois foi para um banco nacional do Grupo Itamaraty, de Olacyr de Moraes. O “Rei da Soja” pouco se imiscuiu nas decisões relativas ao banco. “Olacyr era um homem mais dedicado à construtora, a empreiteira Constran, e às suas fazendas de soja”, revela Bologna. “Tanto que o banco já nasceu profissionalizado. Sua relação com a gente era mais como empresário do que dono.”
Quando o banco de Olacyr foi vendido ao BCN, Bologna migrou para o Banco SRL de investimentos, partnership de João Sayad, Henri Philippe Reichstul e Francisco Vidal Luna, depois vendido ao grupo American Express, e ele acabou presidindo o Amex, que mais tarde decidiu sair do Brasil. O convite do comandante Rolim para montar a área financeira da TAM ocorreu nesse ponto. “Rolim já tinha comprado a ideia de profissionalização, pois havia recebido dividendos de um fundo de investimentos do Grupo Garantia, do Jorge Paulo Lemann”, conta Bologna. “Adotamos na TAM o conceito de melhores práticas, de transparência para o mercado, tendo Rolim no comando.” Sobreveio, então, a perda repentina de Rolim num acidente fatal, em 2001.
A TAM só não teve problemas, na avaliação de Bologna, por ser conduzida por uma equipe profissional. Após a morte do comandante, a viúva e filhos quiseram participar da empresa somente como acionistas. Foi criado, então, o Conselho de Administração e Comitês de Gestão, para que participassem do processo decisório, sem, no entanto, envolver-se no dia a dia da empresa. “Perseguimos juntamente com a família uma boa posição no mercado de capitais na Bolsa de Valores. E este valoriza empresas que tenham transparência, profissionalização e processo sucessório definido, ou seja, que adotem as melhores práticas administrativas.” Assim foi até a fusão da TAM com a LAN Chile, também de uma família empresária, os Cueto, surgindo a LATAM.
Nesse processo de fusão, Bologna conviveu com duas famílias empresárias – Amaro e Cueto. “Obviamente, a diferença entre um ambiente 100% profissional e um ambiente 100% familiar é que no profissional as decisões são tomadas de forma mais racional e objetiva, baseada em pesquisas de mercado, enquanto no familiar prevalece o apego a vínculos emocionais com a fundação da empresa”, diz. Estando entre duas famílias com duas marcas e duas cores diferentes, o executivo se perguntou muitas vezes como administraria a fusão. “Felizmente, ela foi concluída com sucesso, fiquei no Conselho de Administração e permaneço assessorando os interesses da família Amaro em outros negócios até hoje.”
Mais recentemente, como estivesse com tempo disponível, Marco Antônio Bologna aceitou o convite de Walter Appel, que está num processo sucessório com a filha, para fazer parte da Governança de seu negócio, o Banco Fator. E, em seguida, para assumir a presidência, com a missão de reafirmar o posição do Fator como banco de investimentos no mercado de capitais brasileiro. Acompanhe sua entrevista sobre profissionalização na empresa familiar:
FBFE – Quais são os momentos mais críticos a serem enfrentados por um CEO com a família empresária?
Marco Antônio Bologna: Um deles é quando tenta mudar hábitos arraigados. Em geral a família quer continuar a fazer mais do mesmo. Entende que se a fórmula deu certo, deve continuar funcionando. Isso às vezes é até possível, mas o ambiente de negócios que circunda a empresa está em transformação permanente. E hoje, mais ainda, em função dos avanços tecnológicos, das redes sociais. Quantos grupos empresariais gigantes, que continuaram a fazer mais do mesmo, sucumbiram! Para mudar é preciso estar aberto a estudos fundamentados, ouvir consultores e membros da própria família, querer se atualizar.
FBFE – Haveria outros momentos críticos?
Marco Antônio Bologna: Um outro é querer alterar aspectos muito simbólicos, como a cor e o nome da empresa. Mudar a marca TAM, mas que loucura! Na verdade, quando a gente faz uma fusão como a que deu origem à LATAM, o importante não é a marca, mas a permanência dos valores. Se a gente demonstrar à família que serão mantidos os valores éticos e morais deixados pelo fundador, como a cultura do bom atendimento ao cliente, fazer o bem para a comunidade, valorizar os funcionários, conseguirá atenuar os aspectos mais “cosméticos” da fusão. Outra dificuldade é modificar práticas enraizadas. No Banco Fator tivemos que desligar algumas pessoas em função da crise econômica. Por ter no sobrenome a palavra Appel, que significa maçã em alemão, o fundador costumava disponibilizar cestas de maçãs no escritório para os funcionários. Foi difícil mostrar-lhe a incompatibilidade entre demitir pessoas e manter a cesta com maçãs. Então eu lhe propus: ‘Vamos eliminar a distribuição de maçãs como símbolo de economia’. Eu quis mostrar às pessoas que estávamos efetivamente em busca de contenção. Ele aceitou e hoje nem voltamos mais às maçãs.
FBFE – O indiano Rajeev Vasudeva, CEO da consultoria de head hunting Egon Zehnder, diz que 50% dos executivos que assumem empresas familiares fracassam. Por quê, na sua opinião?
Marco Antônio Bologna: Algumas vezes a família tem um membro obstinado em manter as tradições da empresa, que impede qualquer mudança. Outras vezes o executivo não valoriza a família, achando que está acima dela, e acaba tomando decisões que não podem ser somente dele, mas principalmente dos acionistas. Quando se é convidado para gerir uma empresa familiar costuma-se ouvir: ‘Você recebeu o mandato, toca o negócio, é o principal executivo’. Ledo engano, isso é dito na hora da contratação, mas você tem que ter um pouco de habilidade, costurar as relações para que se tornem harmoniosas e dar feedback permanente do que faz aos acionistas.
FBFE – Como executivo você é um profissional a serviço.
Marco Antônio Bologna: Claro. Dependendo do número de membros na família, você terá que contar a mesma história muitas vezes. Gasta-se energia nisso, evidentemente, e o executivo às vezes pode desistir. Outras vezes é o dono da empresa que diz basta: ‘Contratei o sujeito, mas de repente ele não aparece mais aqui e não me dá satisfação. Vendeu parte da empresa. Fechou aquela sala em que estava o busto do meu pai. Como é que ele faz isso?’ A arte está em dosar autonomia da função com obrigatoriedade de dar satisfação ao acionista. Talvez metade consiga e outra metade, não.
FBFE – É possível manter a autonomia da função em benefício dos negócios?
Marco Antônio Bologna: Tem uma regra de convivência, de contrato de bem viver, e ela tem que ser combinada antes. Você tem de ter um fórum de Governança Corporativa, que normalmente se compõe de um Conselho de Administração, onde se apresenta e se estabelece a regra do jogo. Muitas vezes o que a família quer é participar um pouco do dia a dia da empresa e não só da reunião do Conselho. Então, o que vejo que funciona bem é a prática dos comitês de gestão: o de estratégias, o de finanças, o de recursos humanos, dos quais a família pode participar e ter presença realmente ativa.
FBFE – Como fica o CEO nesse momento?
Marco Antônio Bologna: O CEO tem uma posição extremamente solitária. Não tem com quem dividir as dúvidas. Se dividir para baixo, estará demonstrando fraqueza perante os subordinados, se dividir para os lados, não encontra ninguém. Então, como é que divide para cima, sem ser de maneira formal, para ser aprovado ou rejeitado? É através dos comitês de assessoramento. E desse modo a família se sente presente e participante de alguns temas sensíveis.
FBFE – E entre os temas sensíveis…
Marco Antônio Bologna: A remuneração do executivo, obviamente. A família empresária sempre vai achar que está pagando muito e o executivo, que está ganhando pouco. Como dosar isso? Através do Comitê de Recursos Humanos, por exemplo. Outro exemplo: para crescer o executivo reconhece que a empresa precisa comprar mais três máquinas, como o Comitê de Estratégias sugere. Na reunião desse comitê, a família ajuda a decidir se essas máquinas serão ou não compradas e em que quantidade. Os comitês de assessoramento são uma forma que atenua como a família participa sem estar ingerindo, ou se submetendo incondicionalmente.
FBFE – Quer dizer que o estabelecimento de regras de convívio é fundamental?
Marco Antônio Bologna: Sem dúvida. Todo acionista, por ser dono, tem o direito de entrar em sua empresa quando quiser. O executivo não pode dizer ‘aqui ele não entra’. Isso não é racional, porque as pessoas vão se sentir cerceadas de acessar seu próprio negócio. Eu sempre brinco com o Walter Appel, como brincava com os Amaro e o Olacyr: ‘Vocês têm o direito de entrar aqui na hora que quiserem, não precisam pedir licença. Perguntem o que quiserem a quem quiserem. Podem cheirar tudo. Só não podem pôr o dedo. Quando der vontade de pôr o dedo, falem antes com o presidente’. E isto porque se um membro da família põe o dedo, tira a autoridade do presidente, acaba atropelando. A mesma coisa falo aos executivos: ‘Se aparecer aqui algum acionista, vocês podem falar o que acham. Não tenham medo da verdade, só me avisem, não me deixem ficar vendido diante das pessoas’. A regra de ouro é esta: não dêem ordens, não passem por cima da autoridade dentro da empresa, façam mudanças, mas através do presidente, sempre. Deixe que ele use a legitimidade de seu cargo. Da mesma forma que os executivos, quando tiverem um problema, não devem procurar os acionistas, mas sim o presidente. É um contrato de bem viver para que as relações não se estraguem.
FBFE – O Sr. teria alguma recomendação para o executivo que será contratado por uma empresa familiar e vice versa, para a empresa familiar que irá contratar um executivo?
Marco Antônio Bologna: Para a família empresária tenho a dizer que não existe santo milagreiro. Pensar que vai entrar um executivo na empresa e que ele será o messias é um erro. A família está se profissionalizando e o executivo está construindo essa ponte. Então tem que ter paciência, muito diálogo e fóruns adequados. E falar a verdade. Tentar evitar aquela forma aristocrática: agora eu contratei um executivo e não posso mais falar nada, nós fomos afastados. Para o executivo que entrou: você pode ter recebido carta branca, mas tem que saber que para fazer certas mudanças terá de convencê-los antes. Tem os fóruns adequados, mas existe a necessidade de fazer um pouco a corte também. Atualizar as pessoas previamente aos fóruns específicos é saudável. Assim, ninguém será surpreendido com a informação de que determinada parte do negócio será vendida. Em uma empresa familiar há mais política do que numa empresa profissionalizada, onde as regras já estão consolidadas. Numa empresa familiar a gente tem que conquistar espaço. E isso requer política. Tem que construir a base de sustentação, o alinhamento, e ter paciência, além de ser transparente o tempo todo.
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