Falta de planejamento sucessório pode explicar acirrada disputa entre herdeiros de Edson Bueno, fundador da Amil
O que leva um fundador com patrimônio de bilhões a postergar sua própria sucessão? Já está comprovado por inúmeros estudos que postergar o processo de sucessão, achando que se viverá para sempre ou que se é insubstituível, pode deflagrar verdadeira guerra entre os herdeiros em caso de morte repentina ou doença do fundador de uma empresa familiar. Pode inclusive causar o esfacelamento do patrimônio da família empresária.
Essa reflexão é imediata quando se sabe pelo jornal O Estado de São Paulo, no início de maio, que o inventário do médico Edson Bueno, fundador da Amil, uma das maiores empresas de assistência médica do país, está gerando acirrada disputa entre seus herdeiros. A fortuna deixada pelo empresário, morto em fevereiro, aos 73 anos, em consequência de um enfarte, é estimada entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. (link da matéria do Estadão)
Uma solução para evitar tanto desgaste entre as gerações que se sucedem é o patriarca deixar organizado o patrimônio da família ainda em vida. Ele pode, por exemplo, criar uma holding patrimonial, com doação de cotas dos negócios já divididas entre os herdeiros, mantendo todavia o direito do usufruto. Até isso, porém, pode representar um desafio enorme para alguns fundadores. Encontrar consenso para debater esse assunto não é tarefa fácil, pois um número significativo de patriarcas sofre da “síndrome do bastão que não desgruda da mão”. São pessoas que acreditam que quanto mais dinheiro e poder possuem, mais realizadas serão. Enxergam o sucesso e a felicidade como riqueza e realização financeira, além de poder total sobre seus impérios.
Evidentemente, este pode não ser o caso de Edson Bueno, ainda assim cabe uma hipótese: estaria o empresário postergando o processo de sucessão, apesar de sua idade avançada, por estar em busca da imortalidade por meio do trabalho e assim abafar a ansiedade de ter que lidar com a própria morte? Sucessão e morte são assuntos intimamente ligados. Como estudioso dos problemas relativos ao Family Business e fundador do Fórum Brasileiro da Família Empresária não tenho dúvida disso, embora também leve em consideração que encarar de frente a questão da morte implica em profundo desapego, o que às vezes é muito difícil para alguns fundadores. A propósito disto, aproveito para compartilhar com vocês um vídeo do Professor e especialista em famílias empresárias, José Ernesto Bologna, que completa exatamente a ideia do trabalho estar ligado à vida, ao estar vivo, à produção. Assim como o ócio pode estar ligado à morte, à incapacidade e á impotência. Talvez o elemento chave para tornar a Sucessão possível.
A elaboração de um planejamento sucessório, indicação feita pela maioria dos estudos em prol da longevidade dos negócios familiares, pode significar para muitos patriarcas a aceitação de que um dia irão morrer, o que talvez seja doloroso de enfrentar. A empresa torna-se a extensão de suas próprias vidas, sobretudo quando muitos deles construíram seus impérios a partir do nada. Abrir mão do comando dos negócios é perder a própria identidade. Delegar poder e ser sucedido é reconhecer que um dia não estarão mais no mundo. Sucessão é um processo que deve acontecer de dentro para fora, ou seja, pela vontade do fundador. É preciso ter muita paciência de expor de forma clara seus desejos e expectativas e, ao mesmo tempo, respeitar a vontade da próxima geração.
Pensar na própria morte pode ser aflitivo, mas seguir ignorando a necessidade de um planejamento sucessório e evitando a instalação do processo de forma transparente e objetiva com certeza não é o melhor a fazer. No Brasil, a expectativa de vida das empresas familiares gira em torno de 24 anos, ou seja, 70% não chegam à segunda geração e apenas 4% a 5% chegam à terceira. A negligência com a sucessão na empresa familiar pode estar por trás desse desempenho sofrível e de disputas acirradas do inventário por parte dos herdeiros, levando ao esfacelamento do patrimônio.
Que o caso da Amil nos sirva de exemplo do que podemos fazer para preservar não somente uma grande fortuna, mas os valores e o legado das famílias empresárias.