Protegendo as empresas familiares das disfunções emocionais por Kets de Vries
“Qual a melhor maneira de lidar com meu pai? O que posso fazer para convencê-lo de que existem melhores maneiras de administrar os negócios? Eu me pergunto o quanto ele valoriza minha opinião. Tenho a impressão de que ele se recusa a aceitar que o mundo é muito diferente hoje do momento em que ele começou a empreender. Para nossa empresa familiar sobreviver, precisamos fazer as coisas de forma diferente. “
As empresas familiares são a espinha dorsal das economias de muitos países. Também são a força vital para a criação de empregos. As famílias controlam cerca de 85% das grandes empresas (com valor acima de US$ 1 bilhão) no Sudeste Asiático (com a notável exceção da China) e de 65% a 75% das grandes empresas do Oriente Médio, América Latina e Índia. De acordo com o Family Firm Institute-FFI, cerca de dois terços de todos os negócios em todo o mundo são de administração familiar, um número que algumas estimativas colocam com a participação de 90% nos Estados Unidos.
Estas foram as palavras desanimadas de Joseph (este não o seu verdadeiro nome), que veio a mim para obter ajuda sobre como “gerenciar” seu pai. Joseph é filho de um empreendedor que criou uma empresa gigantesca, mas os tempos estavam mudando. O mundo digital estava tendo um efeito significativo no negócio e, apesar dos apelos de Joseph para novas abordagens gerenciais, seu pai persistia em caminhos conhecidos. Para todos os que estavam familiarizados com a situação, ficou muito claro que o desacordo sobre como levar a empresa para a frente afetou o negócio. Além disso, seu pai tinha um hábito persistente, que era o de jogar o irmão de Joseph e suas duas irmãs uns contra os outros, quando se sentia encurralado.
O ditado “A riqueza não dura mais do que três gerações” reflete as atuais estatísticas das empresas familiares. Apenas três de cada 10 empresas familiares sobrevivem na segunda geração, e apenas uma em cada 10 é transmitida para a terceira geração. A vida média das empresas familiares bem-sucedidas é de 24 anos (o que coincide com o tempo médio que o fundador está associado à empresa), de acordo com o Conway Center for Family Business.
Embora todas as organizações tenham de lidar com lutas de poder e conflitos, esses desafios podem ser especialmente difíceis de gerenciar nas empresas familiares porque estes, em geral, têm causas emocionais. Portanto, entregar com sucesso negócios familiares exige domínio não só do negócio, mas também do próprio ego. As queixas mais persistentes que ouço são de que os membros das primeiras gerações se recusam a compartilhar o poder com seus filhos adultos. Que há membros da família colocados em cargos gerenciais para os quais não são qualificados. E que é impossível ter um relacionamento verdadeiramente profissional com alguém da família (pai, mãe, tio, tia, irmão, irmã ou primo). Com demasiada frequência, os detentores de poder de uma empresa familiar não conseguem resolver esses problemas de forma eficaz. A questão é o que a família pode fazer quanto a isso.
Como os membros do negócio podem evitar que esses rancores interpessoais, mal-entendidos e frustrações sejam eliminados, em benefício dos negócios e da família?
De olho no futuro
Para começar a resolver os problemas o mais indicado é fazer com que o(s) detentor(es) do poder reflita(m) sobre cenários futuros. O que preferem? Agir como Louis XIV: après moi le déluge, sem se preocupar com o que acontece depois de se aposentar ou morrer? Ou querem preservar o negócio para as próximas gerações? Se for esta a opção, precisam tomar uma série de providências para garantir a continuidade. Para avançar, no entanto, devem ter a coragem de enfrentar problemas gerais dos negócios (que todas as empresas têm que lidar) e lidar com os complexos problemas emocionais e de relacionamentos que estão subjacentes à dinâmica familiar. Em uma empresa familiar, você precisa ter uma família que funcione e uma empresa que funcione.
Foco na equidade
Os detentores de poder em empresas familiares precisam demonstrar interesse pela equidade em seus planos e decisões, pois este será o ponto de partida da confiança. As ações que são percebidas como justas, são mais propensas a serem aceitas e apoiadas se seguirem uma série de práticas concretas:
• Dê voz a todos, criando a percepção de que todos na família podem fazer a diferença;
• Seja claro, oferecendo informações oportunas e precisas sobre questões familiares e empresariais;
• Seja consistente, aplicando as regras da mesma maneira a todos os membros da família. Quando uma empresa familiar cresce em complexidade, a família fará bem em reexaminar a natureza de sua participação e engajamento como grupo. Uma recomendação importante é realizar reuniões familiares regulares, que (ao longo do tempo) devem evoluir para um conselho de família formal. Essa estrutura pode ajudar pessoas a se sentirem menos sozinhas em seus esforços para induzir mudanças.
Estruture um Código de Conduta Familiar
Uma das primeiras tarefas do Conselho de Família-Cofa é ajudar a desenvolver e aprovar um Código de conduta Familiar. Ao criá-lo de forma explícita e transparente, os membros da família precisam se perguntar, em primeiro lugar, qual é o propósito unificador de ter um negócio controlado pela família. Quais são seus valores e visão? Na minha experiência, alguma forma de filantropia familiar pode ser uma maneira altamente efetiva de unir as pessoas. Concentrar-se em algo que transcende a empresa – perceber que existe uma missão para servir os outros além de apenas garantir o bem-estar financeiro dos familiares – pode fornecer o ingrediente necessário para manter a unidade familiar por várias gerações.
O Código de Conduta também deve abordar questões como treinamento e desenvolvimento dos herdeiros, como os conflitos serão resolvidos e práticas de tomada de decisões. Além disso, deve abordar a questão crítica de como os membros da família podem seguir carreira no negócio familiar. Todos são bem-vindos para trabalhar na empresa, ou existem requisitos para experiências educacionais e externas específicas? As regras de entrada e saída devem ser claras e explícitas, juntamente com a forma como a propriedade das empresas deve ser tratada e como garantir justiça e prevenir ou gerenciar conflitos de forma construtiva. Perseguir uma carreira de sucesso fora da empresa antes de entrar na empresa familiar faz maravilhas para a auto-estima de um familiar.
Construa um conselho forte
À medida que a empresa cresce, é necessário um Conselho de Administração forte. Os conselhos eficazes das empresas familiares diferem dos conselhos das empresas públicas. Eles desempenham papel importante e decisivo no Conselho de Família-Cofa, equilibrando as necessidades da família e do sistema corporativo. Para ser membro efetivo do Conselho de Administração, a pessoa selecionada precisa de uma compreensão profunda da relação entre os valores e metas da família e a cultura da empresa. Essa pessoa pode ser útil como árbitro entre pessoas como Joseph e seu pai.
Alguns fundadores de negócios familiares já se perguntaram, de modo sábio e sincero, se estariam trabalhando se hoje fosse o último dia de suas vidas? Não seria mais inteligente estar fazendo outra coisa? Mas se gostam tanto de atuar na empresa familiar, pessoas como Joseph terão de ter muita coragem e muita reflexão interna se quiserem ser bem-sucedidas.
- Manfred F. R. Kets de Vries é psicanalista e estudioso de gestão. Prepara executivos e é professor clínico de Desenvolvimento de Liderança e Mudança Organizacional no INSEAD. Seu livro mais recente intitula-se “Mindful Leadership Coaching: Journeys into the Interior” (Palgrave Macmillan, 2014).
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