FBFE leva empresários para conhecer a ONG Gerando Falcões, criada por Eduardo Lyra na periferia da Grande São Paulo
O empreendedor social Eduardo Lyra foi o anfitrião de um grupo de 15 empresários conduzidos pelo Fórum Brasileiro da Família Empresária-FBFE a Poá, município da Grande São Paulo, para conhecer a ONG Gerando Falcões. A entidade, idealizada por Lyra e patrocinada pela iniciativa privada, já alcança 1.200 famílias de baixa renda com atividades de inclusão por meio das artes, esportes e cursos profissionalizantes. A visita foi informalmente articulada ao encerramento da palestra de Lyra no primeiro encontro deste ano do FBFE, no final de março, em São Paulo. E efetivou-se em abril, pois todos estavam ansiosos para conferir in loco o trabalho desenvolvido por Lyra.

“Com boxe golpeamos droga, abandono e falta de perspectiva”, diz com entusiasmo o professor Betão, cercado pelos empresários que foram conhecer a Gerando Falcões, e Eduardo Lyra (à direita), criador da ONG (Fotos: Andressa Silva, da Gerando Falcões)
O grupo chegou a Poá em um micro-ônibus por volta do meio-dia, acompanhado pelo fundador do FBFE, Nelson Cury Filho, que articulou a visita. E ali já o aguardava um almoço oferecido pelo empresário Roberto Vilela, diretor presidente da empresa familiar RV Ímola Transportes e Logística, apresentado por Lyra como um dos voluntários mais ativos do Gerando Falcões. No plano do desenvolvimento social, a família Vilela mantém o Instituto Brison Vilela, que entre outras coisas fornece materiais para as aulas de pintura dadas a crianças e adolescentes pela Gerando Falcões, e formatou – e seus diretores estão ministrando – um Curso Básico de Logística com seis meses de duração para jovens e adultos moradores nas favelas da Tubulação e Beverly Hills, ambas atendidas pela ONG.
Na favela
A primeira pergunta surgida é por que o Gerando Falcões foi criado em Poá e não em Guarulhos, onde Lyra nasceu? “Porque minha mãe mudou-se para um dos bairros pobres de Poá quando eu ainda era menino, tinha apenas sete anos.” Ali ele estudou, tornou-se adulto e tomou consciência do que é viver na periferia de uma megalópole como a Grande São Paulo. Por isso, assim que o almoço com os empresários terminou, convidou-os primeiro para um tour a pé por algumas das vielas da Tubulação, onde vivem cerca de nove mil moradores. Queria que eles tivessem uma ideia das dificuldades diárias vividas por pessoas que dali a pouco veriam atendidas pela ONG. Quando questionado por um dos visitantes se não correriam perigo durante o passeio, Lyra respondeu: “Tem marginais como em todo lugar, é verdade, mas eles respeitam nosso trabalho, ninguém mexe com a gente”.
No caminho, o jovem empreendedor social, que de favela entende bastante, foi explicando e mostrando ao grupo: “Este é um espaço auto gerenciado, ou seja, de Estado ausente. Não tem escola, creche ou posto de saúde – os equipamentos públicos mais próximos ficam distantes de três a cinco quilômetros. O esgoto não é canalizado, mas lançado em córregos a céu aberto… aqui, nem chegamos a Nero ainda, que implantou o saneamento básico em Roma dois mil anos atrás. Também não tem correio, porque aqui as pessoas não têm endereço. Os poucos trechos de asfalto que vocês veem em algumas ruelas foram bancados pela própria comunidade. Tão ou mais grave: 14% a 15% das meninas que frequentam os cursos da ONG já foram sexualmente abusadas. Tivemos até que criar um suporte com médico e psicóloga para elas.”
O lado positivo dessa história? Para cada 17 moradores, segundo Eduardo Lyra, há um empreendedor como ele. A favela tem salões de beleza, pedreiros, eletricistas, mecânicos, assistência técnica para eletrodomésticos, rapazes que montam e consertam computadores, costureiras e pintores de parede, ou seja, gente que faz. “Até construímos uma parceria com o Sebrae para trazer seus cursos até eles”, lembrou. Já na queda de braço com o tráfico de drogas, a estratégia da Gerando Falcões tem sido conquistar adolescentes e jovens com prazeres muito mais perenes e cativantes, como a música, dança, artes visuais, literatura e esportes. “Oferecemos o vício que salva”, compara Lyra. “Era aqui mesmo que eu tinha que desenvolver esse projeto. Aqui eu vi muita violência, muita coisa ruim, eu tinha que fazer alguma coisa.” Fim do passeio pela Tubulação, o grupo retorna ao micro-ônibus e agora vai conhecer a sede da Gerando Falcões. Esse projeto, aliás, Lyra sonha replicar pelo Brasil inteiro.
Mandela, o mentor
Minutos depois os empresários chegam à sede da Gerando Falcões, na Avenida Niterói, 96, bairro Cidade Kemel, em Poá. Na fachada do prédio, pintada por Marcos Lopes, artista da comunidade da Tubulação que ensina sua arte na ONG, a face do líder revolucionário e 1º presidente da África do Sul, Nelson Mandela (1918-2013). Mandela foi quem escancarou ao mundo, e lutou bravamente contra, os desmandos do apartheid, tornando-se mais do que merecedor do Prêmio Nobel da Paz em 1993. “Meu herói”– adianta Lyra aos visitantes e diz por quê: “Ele soube combinar como poucos as artes da: negociação, estratégia política, relacionamento social e luta. Foi o preso político que mais tempo passou na cadeia – 27 anos. Um gigante moral!”

Empresários e o fundador do FBFE, Nelson Cury Filho, posam na frente do retrato de Nelson Mandela, pintado na frente do edifício sede da ONG, em Poá
O lema da Gerando Falcões tem sido “menos muros e mais pontes”, o que pode remeter tanto ao Muro de Berlim (demolido em novembro de 1989) como ao muro que ninguém com o mínimo de sensatez admite ser erigido na fronteira entre os EUA e o México. “Estamos todos neste pequenino planeta, menor do que a cabeça de um alfinete em meio ao cosmos circundante, quando fotografado pela sonda espacial Voyager, desde as proximidades de Saturno. Não dá para continuarmos como bárbaros, matando-nos e impingindo miséria uns aos outros, contaminando a água, a terra e o ar de que dependemos tanto”, observou um dos empresários que não quis se identificar. Na ONG de Eduardo Lyra, a meta tem sido transformar a periferia em um lugar mais justo e vibrante. Sonho… utopia? Mas é somente assim que avançamos.
A Gerando Falcões tem a parceria de grandes empresas, como Ambev, Motorola, HC Camargo, Vult, Mentos, Microsoft, Suppliercard, SofwareOne, Casa Tognini, i.S Logística, Geração de Valor, Oracle Academy, Niteo, Red Belt, Olivieri, KPMG, Hershey’s e Instituto Brison Vilela. Em sua sede implantou um Centro Tecnológico (CT) para profissionalizar jovens e mudar o cenário econômico da periferia de Poá. No CT um dos cursos é lecionado por professores credenciados pela Microsoft às terças e quintas-feiras. Os alunos aprendem a criar animação em 3D e a produzir aplicativos e jogos para celular. A grade de ensino inclui aulas de empreendedorismo e inglês básicos, este último ministrado por Ariane Noronha. Com a conclusão do curso, o passo seguinte será encaminhar os estudantes a grandes empresas do ramo ou oferecer suporte para que se tornem empreendedores. ” A Ong aposta que o próximo gênio da tecnologia virá da comunidade”, ousa Eduardo Lyra. Também são oferecidos cursos de maquiagem, com professores da Vult, e de logística (este mencionado anteriormente, com professores/funcionários da RV Ímola), às quartas-feiras. A programação Oracle é ministrada aos sábados.

Mulheres da comunidade da Tubulação assistem aula na sede da ONG Gerando Falcões
Mc’s pela Educação
Chegando ao pequeno estúdio de gravação montado na sede da Gerando Falcões, Lyra mostra orgulhoso um projeto que está dando o que falar. Tem sido na batida do funk e ao som do hip hop que a garotada vem entrando literalmente na dança com o projeto Mc’s pela Educação, patrocinado pela Ambev. A ideia é que grupos de músicos formados na própria periferia componham letras que sensibilizem os jovens de baixa renda com mensagens bem diretas sobre a importância da educação, de se conseguir boas notas na escola e de buscar um futuro melhor, em suma, que tenham perspectivas para suas vidas. “As letras também não podem tratar a mulher como objeto, nem podem conter palavrões”, acrescenta Eduardo Lyra, arrolando outra regra de conduta ético-moral da casa.
As apresentações dos grupos de Mc’s pela Educação ocorrem em diversas escolas públicas de diferentes regiões do Estado de São Paulo e já alcançaram mais de 300 mil jovens. Coordenado pelo rapper Lemaestro, os shows contam ainda com a participação da MC Tuxa e do dançarino B-Boy. Em parceria com a Motorola, durante o show ainda há prêmios aos jovens que ostentam educação e alcançam as melhores notas. O Mc’s pela Educação lançou recentemente um CD chamado “Consciência e Atitude”, gravado no estúdio instalado na Gerando Falcões.

Eduardo Lyra descreve as diferentes atividades desenvolvidas no edifício sede da Gerando Falcões, entre elas aulas de informática para jovens
O estúdio de gravação também foi proporcionado pela Motorola, enquanto a Apple forneceu o computador. “Estamos com o 3º grupo de artistas gravado. Não temos contrato com o pessoal e ninguém paga nada pra gente. Eles vêm, gravam e caem no mundo. Depois é isso, fazem sucesso. Dá para conquistar os jovens com coisas boas, sem vulgaridades”, garante Lyra. “É só querer.” O Mc’s até foi convidado a participar da campanha de volta às aulas da Rede Globo. “Tudo é considerado impossível até acontecer”, aqui vai bem a frase de Nelson Mandela, ainda mais quando o trabalho do Mc’s pela Educação produz um original e certeiro contraponto a letras de funk que incitam à violência e ao total desprezo à mulher.
Porque brincar é muito bom
Dos pinceis e sapatilhas ao saco de pancada do boxe. Uma das grandes atrações da Gerando Falcões é o programa Polo Cultural e Esportivo, que ocorre todo fim de semana nas dependências da Escola Municipal José Antônio Bortolozzo, no mesmo bairro Cidade Kemel, em Poá, graças a um comodato com a Prefeitura local. Lyra apelidou o programa de “Disneylândia”, porque sua índole é fazer brincar, e brincar, além de ser muito bom, também é educativo.
A ideia nesse caso é oferecer diversão, atrelada à educação para a comunidade. São sete oficinas que transformam o sábado de crianças, adolescentes, jovens e adultos, das 9h às 17h, com: pintura (prof. Marcos Lopes), boxe (prof. Adalberto Carvalho da Silva-Betão), teatro (profs. Igor Rocha e Nilson), dança (profª Gabriela Martins), futsal (profs. Bruno Desidério e Nilson Costa), tênis (prof. Nilson Costa), coral infantil (prof. Maestro Elizeu Roberto Júnior) e skate (prof. Renan Ribeiro). Em média são atendidas 700 pessoas a cada sábado.

Um dos meninos dos muitos que assistem às aulas de pintura do professor Marcos Lopes, todo sábado
A escola municipal José Antônio Bortolozzo é modelo em Poá. A maioria das escolas da região não dispõe de infra-estrutura com tamanha qualidade. Fato é que esse precioso recurso, antes ocioso aos sábados, agora tem uso assegurado. “Com boxe nós golpeamos droga, abandono e falta de perspectiva. Nosso objetivo: gerar grandes homens”, diz com entusiasmo o professor Betão, sintetizando a dedicação com que todo o corpo docente tem trabalhado.
O professor de pintura Marcos Lopes viveu a infância na favela, valoriza o que aprendeu e procura transmitir isso aos alunos: “Presenciei de tudo, crianças nas drogas, violência, as vielas tomadas por enchentes. Foi aí que Deus me deu de presente a pintura, e comecei a viver em outro mundo. Agora passo isso para eles”. Pela manhã vem a turma da Beverly Hills; à tarde é a da Tubulação. “A tela é como se fosse a minha mente, posso colocar tudo o que sinto nela. Eu poderia estar bebendo ou me drogando, mas prefiro estar aqui”, valoriza o aluno Everton Viana de Lima, de 14 anos.
A aula de arte, o murro no saco de boxe, o passo de dança, a aula de rítmica… muito mais cativantes e sempre inovadores quando comparados ao joguinho repetitivo do celular. E para coroar, o Coral Tom Menor, que semanalmente reúne 300 crianças: 150 trazidas pelos pais de manhã e 150, à tarde, para celebrar a vida. No dia da visita, meninos de meninas de todas as idades cantaram “Trem Bala”, com Tarsila e Felipe no solo, regidos pelo maestro Elizeu.

Jovens da comunidade da Tubulação em animada aula de rítmica, dada aos sábados na Escola Municipal José Antônio Bortolozzo pela Gerando Falcões
Para ex-presidiários
Segunda chance. Essa é a epígrafe que move o projeto “Recomeçar”, criado pela Gerando Falcões para promover a recolocação de ex-presidiários no mercado de trabalho, para que tenham renda e vida dignas. A ação começou em julho de 2015 e, desde então, mais de 20 egressos já foram empregados graças à parceria da organização social com cinco empresas privadas. “Trabalho com ex-presidiários, sou um deles. Faço acompanhamento de 13 que já estão empregados”, explica o também coordenador de esportes da Ong, Leonardo Precioso. Os egressos são entrevistados, passam por assistente social e psicóloga, recebem atenção para se ressocializar.
Uma pergunta: por que tanto interesse da Gerando Falcões pelo destino de ex-presidiários? “Por meu pai ser um deles”, diz Eduardo Lyra. “Hoje ele tem uma nova vida e conseguimos recuperar nossa família. Sinto que posso contribuir com pessoas como meu pai. Eles precisam ter uma chance, poder trabalhar, reconstruir suas vidas.” A discriminação contra eles tem que ser driblada e Lyra oferece a receita: “Com relacionamento, trazendo as pessoas para visitar a comunidade, abaixando o nível de preconceito, engajando, sensibilizando para a cidadania. O que precisamos é ampliar o número de empresas participantes (que empreguem ex-presidiários) para atender a um número cada vez maior de egressos.”
O Brasil tem mais ou menos 50 milhões de pessoas na linha de pobreza, como é possível elevar dessa situação pelo menos metade dessas pessoas? Eduardo Lyra não tem dúvida: “Com educação, capacitação profissional e descentralização das vagas de empregos. Democratizar o acesso aos empregos. Deixar os negros, os pobres e as pessoas que moram em favelas concorrer com os demais. Precisa capacitar e dar oportunidade, aí as pessoas vão mudar suas vidas”. Pequenos projetos, atendendo apenas a algumas centenas de pessoas, serão suficientes? “Pequenos projetos vão capacitar localmente. Aí o Estado precisa construir políticas públicas eficientes, seja transformando esses projetos em projetos mais abrangentes seja aproveitando as forças da tecnologia, do mundo digital, para fazer chegarem a mais gente.”
De volta pra casa
A boca pequena, Lyra revelou a um dos empresários que entre as várias motivações que o levaram a criar a Gerando Falcões também está a morte de um primo, querido como o irmão que nunca teve – Lyra é filho único –, vítima de overdose ainda na adolescência. “Eu sofri muito com essa perda. Tanto que prometi a mim mesmo fazer alguma coisa. Eu queria viciar crianças e jovens em outras coisas, boas coisas, como cultura e esportes, e para a vida inteira deles.”
Na avaliação de Nelson Cury Filho, que articulou a visita proporcionada aos empresários pelo FBFE, foi um dia muito especial para todos ter ido conhecer a Gerando Falcões. “Tenho a convicção de que nada é por acaso e que todos que aqui estiveram serão novos falcões. Acredito que de alguma forma podemos e iremos contribuir com sua causa”, disse. E Lyra retribuiu: “Você (Nelson Cury Filho) derrubou muros e construiu pontes. Quero deixar aqui o meu agradecimento a você e a todos que vieram. Isso alimenta minha alma de fé e esperança”.

O coral Tom Menor, que reúne 300 crianças, recepcionou os empresários e com eles posou para esta foto
Na opinião de Hugo Nisembaum esse dia deixará marcas. “Parabéns Edu e Nelson pela iniciativa. Como comentei com Edu, já definimos a forma de contribuir com um Mapa de Talentos para jovens das duas comunidades. Vamos adiante.” Em linhas bem gerais, o Mapa de Talentos, criado e patenteado por Nisembaum, auxilia os jovens a identificarem seus talentos e suas vocações, orientando-os para uma formação que melhor se encaixe em seus perfis. Cássio Gubnitsky Guimarães disse em seguida: “Faço das palavras do Hugo e do Nelson, as minhas. O Gerando Falcões tem que ser replicado. Você, Edu, é um cara iluminado. Parabéns!!!”
Adriano Masini qualificou a Gerando Falcões de “lição de vida”. Já Anthony Furmanovich disse ser um exemplo a forma como Eduardo Lyra engaja pessoas, lidera e une a comunidade. “É extremamente gratificante observar e aprender com uma pessoa que vive para ajudar os outros, e tentar replicar”. Carlos Alberto Camargo manifestou sua gratidão pela oportunidade de conhecer o projeto e sintetizou: “É realmente um exemplo de cidadania”.
Os irmãos Natália Baptista, de 17 anos, e Matheus, de 20,convidados pelo tio empresário a participar da visita para ampliar sua experiência de vida, também gostaram do que viram. Nathália, de tão entusiasmada, foi além de somente apreciar o passeio. Como estudante do segundo colegial, disse que levaria para sua escola, atendendo ao pedido do professor tutor de sua classe, a proposta de ela e os colegas desenvolverem um trabalho comunitário para a ONG Gerando Falcões.
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