Vai que dá! Uma entrevista exclusiva com Eduardo Lyra, da ONG Gerando Falcões
Prestes a completar 30 anos, Eduardo Lyra foi apontado pelo Fórum Econômico Mundial em 2014 como um dos 15 jovens brasileiros que podem mudar o mundo.
Por: Marília Muylaert
Nada mal para um menino que nasceu em uma favela em Guarulhos, São Paulo, e viu, ainda em sua tenra infância, o pai entrar para o mundo do crime e ser preso. Sua mãe, no entanto, foi o contraponto da história, estimulando-o a sonhar alto. Sempre dizia que não importava de onde ele tinha vindo, mas sim para onde queria ir.
Com o apoio dela, Edu escapou das estatísticas e não se envolveu com o mundo da criminalidade. Estudou duro e se formou jornalista. Lançou o livro Jovens Falcões (sucesso de vendas) onde escreveu a história de 14 jovens que nasceram em condições de extrema pobreza, mas, por determinação pessoal, transcenderam à origem humilde e conquistaram posições de destaque na sociedade.
Quando estava prestes a assumir um bom cargo em uma multinacional, a sensibilidade social bateu mais forte. Teve um chamado interno para olhar para o próximo. E foi assim que criou, em 2013, a Gerando Falcões, uma ONG de educação em Poá, município da Grande São Paulo, com foco em esporte, cultura, qualificação profissional e geração de renda.
No momento, mais de 1.200 crianças e jovens estão sendo beneficiados pela ONG, que impacta em média 100 mil pessoas por ano. Segundo Lyra, o jovem deve se inspirar em alguém ou em algo para se mover, mas tão importante quanto se sentir motivado para crescer e lutar é ter ferramentas para fazê-lo. E isso a Gerando Falcões tem de sobra.
Conheça melhor este jovem balzaquiano que é um exemplo de vida e inspiração para uma multidão que dia a dia só faz crescer.
O que é felicidade plena para você?
Estar com a minha família, praticar esporte e fazer o bem para a sociedade.
Qual é o seu maior medo?
Que as pessoas que eu amo sejam atingidas pela violência do dia a dia e eu não possa fazer nada.
Qual a característica que menos admira nos outros?
Se deixar corromper; ser corrupto. Isso me entristece muito, pois o resultado é trágico para a sociedade que acaba recebendo educação, saúde e transporte de má qualidade. É simplesmente inconcebível.
Qual a pessoa viva que mais admira?
Em primeiro lugar, minha mãe. Minha grande inspiração e força. Depois o Obama. Acho que ele tem habilidades como líder que são raras.
Admiro o jeito de ele lidar com a própria família. São equilibrados, unidos. Um desafio para quem vive num ambiente sedutor como o dele.
Obama consegue dialogar com as pessoas num mundo tão diverso e faz com que elas se sintam próximas a ele. Sentem verdade naquilo que ele diz.
Jorge Paulo Lemann não poderia ficar fora da lista. Ele é um grande filantropo e agrega muito na construção da minha forma de liderar; me deu uma bolsa para eu ir para Harvard, me provocou para aprender inglês saindo do zero e me instigou muito a sonhar grande, sempre me fazendo pensar em como dar escala para o meu projeto e não transformá-lo em algo local. Ele sempre disse: “Vai que dá!”.
Admiro quem ajuda não só com dinheiro, que é muito importante, mas quem dá algo a mais que vitamina a sua alma e nutre a sua esperança no futuro.
Qual a sua virtude mais superestimada?
Várias pessoas dizem que eu tenho empatia e sensibilidade social suficientes para não esquecer que muitas pessoas vivem em situação de ampla vulnerabilidade e que é preciso haver alguém que jogue a corda para elas. Tento alimentar essa sensibilidade.
Em que ocasião você mente?
Ai (pensativo); acho que às vezes acabo contando mentira ou tento não contar a verdade para as crianças. Para a Lara, minha filha do coração de 8 anos, acabo não dizendo tudo sobre como o mundo é.
Qual a pessoa que você mais despreza?
Desprezo as pessoas que causam matanças pelo mundo. Hitler e todas as outras pessoas que mataram movidas, em especial, por uma motivação ligada ao preconceito. Acho isso desprezível.
Qual a qualidade que você mais admira em uma pessoa?
A capacidade de se doar por completo e perdoar o sofrimento. Jesus, por exemplo, chegou a ponto de morrer por nós. Uma prova surreal de amor ao próximo.Mandela também me impressiona. Conseguiu perdoar aqueles que o prenderam por 27 anos. Ao sair da prisão, disse: “Se não perdoar as pessoas que me prenderam por todos estes anos eu vou continuar preso para sempre”. Perdoar é muito difícil. Envolve a alma.
Quais são as palavras ou frases que você mais usa?
“Não importa de onde você vem. Na vida o que importa é para onde você vai”; “tamo junto!” e “vai que dá”.
O que te faz feliz?
Os meus momentos de maior alegria têm sido aqueles em que eu consigo colocar um jovem no mercado de trabalho. Sempre me emociono porque este jovem, geralmente, vive numa situação de ultrapobreza; alvo do tráfico de drogas. E conseguimos que acabe indo trabalhar em empresas de ponta, em endereços nobres de São Paulo, junto de profissionais que estudaram em Harvard, por exemplo. Isso é surreal! O momento em que se derrubam muros e se constroem pontes. Não há nada que me faça mais feliz do que quando a gente vê que colocou um par de asas no jovem e ele conseguiu voar!
Também fico extremamente feliz todas as vezes em que conseguimos colocar um presidiário no mercado de trabalho.
Qual o talento que você gostaria de ter que acha que não tem?
Gostaria de ser um melhor gestor. Apesar do meu esforço, queria ter uma capacidade maior de cobrança e de acompanhamento. Não tive este background, não é da minha natureza.
O que você considera a sua maior conquista?
Minha maior conquista foi o momento em que percebi que tudo era possível e que eu poderia dar um encaminhamento pessoal da minha própria vida indo para uma multinacional, mas resolvi criar o Gerando Falcões. Foi a decisão acertada de olhar para o outro.
Se você pudesse hoje reencarnar em outra pessoa, quem gostaria de ser?
Gostaria de ser um artista. Michelangelo; John Lennon ou Drummond de Andrade. Imagine produzir arte e tocar o coração das pessoas? E também Martin Luther King. Apesar do nível elevado de sofrimento, ele foi um grande.
O que você considera ser o mais baixo grau da miséria?
Não poder colocar comida na mesa para os filhos. É uma combinação de impotência e vergonha social muito grande. Na infância vivi isso, de às vezes fazer só uma refeição por dia; ou almoçava ou jantava. Aquilo para o meu pai era terrível. Machucava muito. Mas ele tinha uma habilidade enorme de contornar a situação com criatividade. Inventava que éramos convidados para jantar na casa dos amigos da comunidade. Chegava sempre bem próximo da hora do jantar e conquistava a todos com a sua simpatia. E, dessa forma, éramos convidados a repartir o pão. Na época não desconfiava de nada. Hoje eu sei. Lembra o filme A Vida é Bela, de Roberto Benigni.
Qual é a sua atividade preferida?
É derrubar muros e construir pontes. Me relacionar com pessoas, especialmente o mais diferentes de mim possível. Que cresceram em lugares diferentes, comeram comidas diferentes, viajaram para lugares diferentes. Minha paixão é juntar o diferente e fazer uma coisa bonita pelo meu país. Liderar para mim é isso.
Qual a sua característica mais marcante?
A persistência. Se eu estiver numa mesa eu aceito que o outro tenha viajado mais do que eu, estudado mais, conhecido mais pessoas, mas ele não pode ser mais persistente do que eu. É isso que me move. Acreditar no 1% de chance, quando 99% diz que não é possível.
Quais são os seus escritores favoritos?
Não sei, mas gostei de ler a biografia da Olga (Fernando Morais), do Mandela e do Steve Jobs. Também gostei muito do livro Sonho Grande do Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. No momento estou lendo uma biografia sobre o Churchill. Adoro biografias.
Qual o seu maior arrependimento?
Não ter começado a estudar inglês cedo.
O que te move?
Causar uma transformação no meu país. Acho que o povo brasileiro merece algo muito maior e uma vida muito melhor do que a que tem hoje.
Por que o nome Gerando Falcões?
Porque falcão é o jovem que não se limita ao pó do chão. Ele voa. E quem voa consegue enxergar tudo de cima e, quem enxerga de cima, em vez de enxergar crises, dilemas, consegue enxergar oportunidades.
Como influenciar jovens tão carentes em um mundo tão desigual? Qual é o mote da virada?
Acho que são duas coisas: primeiro, compartilhar inspiração, compartilhar uma história, uma crença que faça este jovem ser movido por ela, Mas não se deve apenas compartilhar a crença, tem de colocar na mesa uma ferramenta em que ele, ao se apropriar dela, vai de fato mudar a sua vida. Por isso é que no Gerando Falcões a gente oferece diversos cursos, desde aula de programação até de sommelier.
Como mudar a cabeça dos políticos brasileiros?
(risos) Votando em outros políticos! Acho que as pessoas boas do país precisam ingressar na política. Se elas não o fizerem, vai sempre haver espaço para gente ruim ocupar o lugar. Elas têm de aparecer e a população tem de reconhecê-las como boas para haver a tão sonhada renovação. Tem de mudar!
Você se veria como esse ar novo na política no Brasil? Tem pretensão política?
Essa pergunta é difícil, se eu falo que não, por hoje estar em uma posição de liderança, desestimulo outros jovens a ingressar na política. Me vejo contribuindo muito com o país. Mas sou muito realizado como empreendedor social. Não pretendo ir para a política, mas não quero que os jovens não sonhem com isso.
Como você vê a sua ONG em 10 anos?
Eu vejo Gerando Falcões no Brasil inteiro criando um legado de superação da pobreza extrema e criação de muitas oportunidades para as pessoas acessarem renda e dignidade. E quem sabe vê-la espalhada pelo mundo.
Como uma pessoa normal contribui para a sua ONG?
Como voluntário, participando de programas, visitando a Gerando Falcões ou doando. As pessoas acham que filantropia tem de ser feita por caras como o Bill Gates e Jorge Paulo Lemann. Temos de criar um modelo de muitas pessoas doando pouco. Uma das maneiras de a pessoa doar é se tornar amiga da comunidade por meio de um programa que criamos. Ela se inscreve no nosso site (gerandofalcoes.com), faz uma assinatura e passa a doar um valor pequeno que não vá fazer falta no dia a dia dela, mas que vai resultar numa contribuição grande na comunidade. Para a gente virar o Brasil, o Brasil tem de doar de forma pequena, mas recorrente. Cultura de doação, independentemente se for para a Gerando Falcões ou não. Há uma pesquisa que aponta que pessoas que vivem com 2 mil reais ou mais já estão melhores do que 65% da população brasileira. Necessitamos de ajuda, sim.
*Essa entrevista foi publicada originalmente na Revista do Fórum Brasileiro da Família Empresária – FBFE – Na Edição Nº 1 do Ano 1.
[…] Eduardo Lyra é formado em jornalismo, acumula em sua bagagem a autoria dos livros “Jovens Falcões” e do recém lançado e os títulos de um dos 30 jovens mais influentes do país com menos de 30 anos pela Revista Forbes, o de Paulistano Nota 10 pela revista Veja, e o de Rebeldes com Causa pela grife Reserva. Também recebeu o prêmio de Jovem Empreendedor do Ano pelo Grupo LIDE, além de ter sido selecionado pelo Fórum Econômico Mundial como um dos 15 jovens brasileiros que podem mudar o mundo, fazendo parte da Global Shapers. […]