Ambiente igualitário, melhor performance

Conheça essa e outras ideias da economista Dulcejane Vaz, que assumiu o cargo de assessora da vice-presidência do Banco do Brasil para ser head do programa Equidade de Gênero com uma missão que pode transformar o mundo ao redor em outro melhor.
Texto por: Lidice-Bá
Foto por: Rafael Cusato
A primeira mulher a se graduar no ensino superior brasileiro foi a gaúcha Rita Lobato, formada em 1887 pela Faculdade de Medicina da Bahia. Hoje, as faculdades de engenharia civil, direito e medicina — as três carreiras mais bem remuneradas do país, de acordo com o Ministério do Trabalho — têm cada vez mais mulheres. Segundo uma pesquisa da empresa de consultoria IDados, na última década elas se tornaram maioria no curso de direito (de 49% dos alunos em 2005 passaram a ser 55%); cresceram de 21% para 30% nas aulas de engenharia civil; e de 50% para 57% no curso de medicina.
Mas não é porque hoje a mulher estuda, trabalha, vota — e se elege presidente da República — que a luta pelos seus direitos já avançou o suficiente no Brasil. “O maior desafio da mulher nas próximas décadas é não retroceder. Não achar que a causa já atingiu o objetivo e desmobilizar”, afirma a economista mineira Dulcejane Vaz. Funcionária de carreira do Banco do Brasil há quase 30 anos, recentemente Dulcejane assumiu o cargo de assessora da vice-presidência para ser head do programa Equidade de Gênero. Na entrevista a seguir, ela explica qual é sua missão nesse cargo, enumera as barreiras que impedem a ascensão das mulheres no mesmo ritmo de seus pares masculinos e revela como os homens podem contribuir para a causa.
Qual é a sua missão no cargo de assessora da vice-presidência do Banco do Brasil para ser head do programa Equidade de Gênero?
Promover a Equidade de Gênero é uma das prioridades estratégicas do atual CEO, Paulo Rogério Caffarelli. Nesse contexto, minha missão é relacionar e articular com as diversas áreas, internas e externas, para alinhar práticas, propor iniciativas de sensibilização e conscientização sobre a importância do equilíbrio entre homens e mulheres nos cargos de liderança — lembrando que esse tema é transversal e envolve não somente a área de gestão de pessoas, embora esta seja fundamental para o sucesso do Programa.
Como surgiu o seu interesse pelo tema liderança feminina?
Ele é fruto da maturidade. Com o tempo, a presença rarefeita de mulheres a partir de determinados níveis da organização começou a me incomodar e percebi que eu poderia ser uma agente de transformação, abandonando o papel de vítima e assumindo o protagonismo de um movimento com propósito que poderia inspirar muitas outras pessoas.
Já sofreu por ser mulher no trabalho?
Trabalho no setor financeiro, mercado tradicional e cujas regras foram feitas pelos homens para os homens. Não é fácil mudar isso.
Quais as principais barreiras que impedem hoje a ascensão das mulheres no mesmo ritmo de seus pares masculinos?
Há o trinômio clássico — casamento, maternidade e a dupla jornada de trabalho. Mas o que dá origem a essa percepção equivocada sobre o real potencial das mulheres é um mecanismo denominado “vieses inconscientes de gênero”. É um conjunto de estereótipos que mantemos sobre as pessoas a partir de situações que vivenciamos ao longo da vida. Esse processo é tendencioso e faz com que enxerguemos as mulheres não como elas são, mas como queremos enxergá-las. No ambiente corporativo, essa barreira restringe substancialmente as oportunidades de atuação da mulher ao percebê-la muito aquém de sua real capacidade de performar, liderar e entregar resultados. Ou seja, precisamos focar em desconstruir o estereótipo de gênero, para que transformações concretas ocorram na cultura organizacional das empresas e mais mulheres assumam os altos cargos de liderança.
“Não somos contra o homem. Somos a favor das mulheres”, diz a empresária Luiza Trajano. Qual é a sua leitura dessa colocação?
Participo do Grupo Mulheres do Brasil e comungo dessa afirmação. Há um erro grande de contrapor o machismo ao feminismo. O machismo prega a superioridade masculina, enquanto o feminismo prega a igualdade de direitos e oportunidades entres homens e mulheres. Ao afirmar que somos a favor das mulheres, há um olhar atento no sentido de mobilizar a sociedade para a importância de incluir, respeitar e apoiar as mulheres em sua jornada de crescimento.
“Precisamos focar em desconstruir o estereótipo de de gênero para que transformações concretas ocorram na cultura organizacional das empresas e mais mulheres assumam os altos cargos de liderança.”
Qual é o maior desafio que a mulher contemporânea terá que vencer nas próximas décadas?
Não retroceder. Não achar que a causa já atingiu o objetivo e desmobilizar. As estatísticas mostram que ainda há muitos desafios a superar: as mulheres ocupam menos de 10% das cadeiras de conselhos de administração; menos de 10% dos cargos eletivos do Congresso; menos de 20% dos cargos de diretoria das grandes organizações. No Brasil, a cada uma hora e meia, uma mulher morre vítima de violência e cerca de 50% das profissionais que são mães perdem o emprego até dois anos após o retorno da licença-maternidade. Lutamos não porque queremos, mas porque precisamos.
Um exemplo da desigualdade de gêneros é quando, na infância, meninos “mandões” são considerados líderes, já meninas “mandonas” são tidas como “chatas”. Qual é (ou deveria ser) o papel dos pais para que as meninas possam ser vistas naturalmente como líderes também?
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie escreveu um livro interessante de como criar crianças feministas [Para Educar Crianças Feministas: Um Manifesto, Companhia das Letras]. Está comprovado que o estereótipo de gênero é um processo histórico, social e cultural, e os pais têm uma grande responsabilidade em fazer suas filhas se sentirem confiantes, permitindo que exerçam os papéis que desejam e criando condições para que isso aconteça. O projeto conjunto da ONU Mulheres e o Instituto Mauricio de Sousa usa os personagens da Turma da Mônica para disseminar a ideia de que o lugar de menina é onde ela quiser, desconstruindo o estereótipo de que a rua, por exemplo, seria espaço dos meninos — enquanto as meninas ficariam confinadas em casa, brincando com suas bonecas. Acrescenta-se ainda o movimento espontâneo e vindo de várias direções de “desprincesamento” de meninas, oferecendo a elas outras referências inspiradoras.
“Entender que a maior presença feminina nos espaços de decisão e de poder traz resultados econômicos concretos. Ambientes igualitários geram maior performance financeira, decisões empresariais de maior qualidade, mais inovação. Todos saem ganhando.”
Qual seria a melhor contribuição do homem?
Apoiar a mulher nessa jornada. Entender que a maior presença feminina nos espaços de decisão e de poder, além de ser uma questão de direito, traz resultados econômicos concretos onde todos ganham. Estudos diversos comprovam que ambientes igualitários geram maior performance financeira, decisões empresariais de maior qualidade, mais inovação. Todos saem ganhando.
Qual é a melhor contribuição que a mulher pode dar à causa feminista?
Ter consciência do seu poder e agir em sintonia com sua essência. Há um provérbio judaico que diz: ”As mulheres são metade da população do mundo e mães da outra metade”. Isso mostra a força do feminino.
Como não se tornar um “ecochato” do feminismo?
Praticando a empatia. Tomando o cuidado para não achar que somos donas da verdade e que só há um ponto de vista: o nosso. Precisamos aprender a nos colocar no lugar do outro.
*Essa entrevista foi publicada originalmente na Revista do Fórum Brasileiro da Família Empresária – FBFE – Na Edição Nº 1 do Ano 1.
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