Maison Goyard: Sucessão de famílias, valores intactos
De Pablo Picasso e duquesa de Windsor e a Coco Chanel, a Maison Goyard mantém clientes seletos, mas diversos. Entenda como a marca francesa conserva seu DNA há séculos.
Por: Gustavo Curcio
Fotos: Divulgação Maison Goyard
Primeiro presidente francês eleito pelo voto direto, Napoleão III era sobrinho e herdeiro de Napoleão Bonaparte. Impedido de concorrer ao segundo mandato pelo Parlamento, organizou um golpe em 1851 e assumiu o trono como imperador no final do ano seguinte. Influenciado pela fervente modernidade britânica, foi responsável pela grande arrancada industrial da França com expressivos avanços nos âmbitos econômico e financeiro. Ao lado do prefeito Georges Eugène Haussmann — ou simplesmente Barão Haussmann — eternizou a imagem que segue até hoje de Île-de-France com a reforma urbana de Paris. Construiu ferrovias e casas populares, abriu canais, encorajou a agricultura, a indústria e o comércio, favoreceu as instituições de crédito, fundou sociedades de ajuda mútua e organizações de trabalhadores.
Foi nesse contexto — e um ano após o início da reconstrução e remodelação da capital francesa pelo Barão — que nasceu a Maison Goyard, com sua emblemática butique no 1er arrondissement: número 233 da célebre Rue Saint-Honoré, junto do Jardin des Tuileries. A sofisticação da região, com joias como o Hotel Le Meurice da Dorchester Collection, na Rue de Rivoli, e diversas marcas de equivalente valor histórico permanecem incólumes até hoje.
A revolução tecnológica promovida por Napoleão III acelerou o ritmo das viagens e encurtou distâncias, principalmente graças ao transporte ferroviário culturalmente intrínseco à cultura francesa desde estes tempos. Surgiu assim demanda pelo público abastado por baús e contêineres adaptados aos novos meios de transporte. “Ao longo de 164 anos de história, a Maison Goyard foi venerada por expoentes como Pablo Picasso, Cristóbal Balenciaga, Karl Lagerfeld e Coco Chanel”, disse a jornalista Sarah Young ao Independent em março deste ano. “Desde o chef Alain Ducasse (que tem um baú custodiado para suas facas) ao rapper A$AP Rocky, e até mesmo grandes nomes como Jacques Cartier, passeavam pelo mundo com suas criações”, publicou a revista Elle há alguns meses. O célebre chef Alain Ducasse, conhecido pelo restaurante 3 estrelas Michelin localizado no hotel Plaza Athénée, endereço da alta-costura em Paris, guarda suas facas em um baú exclusivo desenvolvido pela Goyard.
As origens: da Borgonha a Paris
Originária da Borgonha, a família Goyard especializou-se no transporte pluvial de madeira. Edmé Goyard fazia parte do que se chamava de compagnon de rivière, ou seja, era membro de uma associação de transportadores de madeira por rios, e sua função era montar e deslocar troncos em formato de trem, que mediam 75 metros de comprimento por 5 metros de largura, das florestas de Morvan. Os troncos seguiam flutuando do Rio Yonne ao Sena e, mais além, até a periferia de Paris. Naquele tempo, o trajeto levava 11 dias. Sonhando com uma vida melhor, Edmé Goyard decidiu mudar-se para Paris em 1832. Dotado de conhecimento especializado em madeira, seu filho François ingressou na Maison Morel, que produzia maletas, baús e caixas para embalagem desde 1792. À época, a Morel era a líder na fabricação de baús em Paris, tendo comprado a prestigiosa Maison Martin, empresa que fornecia caixas para embalagem e baús para sua majestade, a duquesa de Berry, nora do rei Carlos X. Em 1853, quando monsieur Morel faleceu, François Goyard, filho de Edmé, aprendiz na empresa desde 1845, assumiu o comando e assim foi criada a Maison Goyard.
Edmond Goyard, o fundador
Com o tempo, o filho de François, Edmond, assumiu a empresa e em 1892 inventou um revestimento à prova d’água, altamente resistente, feito de linho, algodão e cânhamo, para cobrir os baús. Começava uma era de glória, em que o nome Goyard tornava-se sinônimo de excelência, tendo sua reputação estendida para muito além da França. Seus produtos passaram a ser reconhecidos instantaneamente a partir de então, com a inclusão do famoso logo em quatro cores, composto por emblemas justapostos em formato de “Y”. A letra tem vários significados: é uma referência ao nome Goyard, uma alusão ao símbolo do homem universal e uma homenagem ao comércio original de madeira flutuante da família. A disposição dos troncos inspirou o design do logo para o revestimento.
Considerada favorita no ramo dos fabricantes de bagagens entre a alta sociedade, a Goyard atendeu o presidente dos Estados Unidos, à realeza britânica e o imperador da Rússia. A Maison Goyard coleciona inúmeros nomes famosos que compuseram sua clientela: o marajá de Kapurthala, o grão-duque Paulo Alexandrovich, da Rússia, sir Arthur Conan Doyle, Sarah Bernhardt, Sacha Guitry, Barbara Hutton, Gary Cooper, Romy Schneider, Estée Lauder, o duque e a duquesa de Windsor, as famílias Rockefeller e Rothschilds e César Ritz.
Robert Goyard, o sucessor
Em 1925, Edmond introduziu seu filho Robert no negócio, rebatizado de E.Goyard Ainé. Mais para a frente, Robert aprimorou a técnica da empresa na fábrica e apresentou bagagens menores e mais leves para suprir a nova era da aviação. Em 1928, ele adquiriu uma parte das ações e a empresa passou a chamar-se E.Goyard Ainé et fils (Edgard e filhos). Foi Robert Goyard quem fundou o Comité Vendôme e foi nomeado presidente da Fédération Française de la Maroquinerie (Associação Francesa dos Fabricantes de Produtos de Couro). Por fim, Robert passou o negócio a seu filho François, que o vendeu para a família Signoles em 1998.
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