Novo Código de Processo Civil traz riscos a Empresa Familiar
A Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, agora batizada como sendo o Novo Código de Processo Civil (NCPC), entrou em vigor em 18 de março de 2016, e, dentre as novidades, trouxe nos artigos 599 a 609, um novo procedimento especial: a Ação de Dissolução Parcial de Sociedade. A dissolução parcial é criação doutrinária e jurisprudencial, que não tinha até agora regramento processual próprio.
A lógica da inclusão do tema dissolução parcial da sociedade neste NCPC tem amparo no princípio da preservação da empresa familiar e de sua função social, e visa evitar a dissolução e liquidação da sociedade quando ocorre a quebra do tal “affectio societatis”, ou seja, não há mais vontade dos sócios da empresa familiar permanecerem juntos.
O Código Civil de 2002, atualmente em vigor, não utiliza o termo dissolução parcial, em razão da sua falta de precisão e confusão com a lógica empresarial da liquidação da empresa, antes da apuração de haveres. Logo surgiu o termo resolução da sociedade em relação a um sócio. As causas da dissolução parcial estão elencadas nos artigos 1.028, 1.029 e 1.030 do Código Civil, e são: a morte do sócio, o direito de retirada em razão de justa causa e a exclusão do sócio por motivos de falta grave no cumprimento de suas obrigações ou por incapacidade superveniente.
Nessa trilha, finalmente surgiu no NCPC o procedimento a ser seguido nestas situações. Porém o legislador o fez de forma precária, com redação sofrível, com miopia empresarial, e, com o revés de trazer muito mais riscos a preservação da empresa familiar do que contrariamente era o princípio a ser seguido neste processamento da Ação de Dissolução Parcial de Sociedade.
O legislador preocupou-se em indicar o processamento da ação judicial, com duas fases, a saber: a primeira, a fase de dissolução, com típico procedimento especial, de modo simplificado, com o fim específico de apenas dissolver parcialmente a sociedade. Já, a segunda, a fase de apuração dos haveres, como conseqüência da primeira, busca-se apurar os valores devidos ao sócio morto, excluído ou retirante.
Inicialmente a dissolução parcial da sociedade era aplicada somente nas sociedades pessoais, por quebra da “affectio societatis”, posteriormente passou-se a admitir a dissolução da sociedade anônima familiar fechada quando efetivamente comprovada que havia a prevalência do conceito do “intuitu personae” sobre o conceito do “intuitu pecunea”, conforme decisões mais recentes do STJ.
Toda a jurisprudência brasileira sobre o tema, ao final do dia, queria apenas preservar o direito de um sócio de uma empresa familiar se retirar da sociedade e não ser escravo de uma sociedade “anônima” onde todos os familiares se conhecem e cuja configuração era de claro de abuso de forma jurídica. Infelizmente, o legislador provou desconhecer a matéria societária e empresarial e, assim, perdemos boa chance de avançar em instituto tão árido, porém importante para preservação da empresa familiar.
De plano, para se ingressar com esta ação judicial ora sob exame, tem-se que é obrigatória a apresentação de contrato social consolidado. Não é razoável exigir contrato social consolidado para instruir a demanda, se tal documento não é condição para o seu processamento, como tenta crer o legislador.
A pergunta, que não quer calar, porém necessária é: por que não se pode utilizar contrato social não consolidado, se todas as alterações contratuais estiverem presentes? E mais: se o documento consolidado não existir, pois tal exigência não está na legislação societária, e o sócio controlador da família que tem o comando da administração da sociedade não quiser consolidar o contrato social, então, o Espólio ou o sócio interessado na dissolução não poderá propor a demanda? Como fazer? Exigir-se-á do autor a propositura de prévia Ação de Obrigação de Fazer?
Outra afronta sem precedentes no mundo jurídico societário é a manifesta impropriedade, o §2o, do art. 599, que aponta que a ação de dissolução parcial pode ter também como fundamento o fato de não cumprimento do seu fim, por parte da sociedade anônima de capital fechado, seja ela familiar ou não.
Referido artigo assim dispõe: § 2º A ação de dissolução parcial de sociedade pode ter também por objeto a sociedade anônima de capital fechado quando demonstrado, por acionista ou acionistas que representem cinco por cento ou mais do capital social, que não pode preencher o seu fim.
Qual o “fim” de toda sociedade anônima ou ltda? Sem dúvida nenhuma gerar lucros e pagar dividendos. Este é o “fim” a ser perseguido por todas as sociedades empresárias como previsto no código civil e inclusive por todas as empresas familiares. Ora, se em época de dificuldade empresarial a Cia. não auferir lucro, qualquer sócio com 5% poderá pedir a dissolução parcial e receber seus haveres patrimoniais a mercado?
E tem mais: Como juridicamente é impossível no estatuto social de uma sociedade anônima se falar em apuração de haveres dever-se-ia aplicar o previsto no artigo do Código Civil e mesmo no NCPC que na omissão a sociedade tem que se pagar os haveres em 90 dias e em dinheiro?
Isto é razoável?
Qual a probabilidade de uma sociedade anônima familiar ter o dinheiro no caixa de sua empresa disponível para pagar esta saída de sócio em prazo tão exíguo? Em acontecendo este cenário, inevitavelmente colocaremos em risco de sobrevivência todas as sociedades anônimas de capital fechado. Sem exceção.
Este problema da falta de dinheiro para pagar o sócio retirante em curtíssimo prazo, também se aplicará as sociedades limitadas se o seu contrato social não tratou detalhadamente deste tema. Neste sentido econômico e de sobrevivência da empresa familiar ambos os tipos societários estarão mais próximos da sua extinção no mundo de negócios do que sua perpetuidade.
Na hipótese de omissão do contrato social e (inevitavelmente no estatuto social), o critério de apuração dos haveres será o valor patrimonial a mercado apurado em balanço de determinação.Tomar-se-á como referência à data da dissolução, avaliando-se os bens e direitos que compõem o ativo, inclusive os bens tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além dos passivos também a apurados de igual forma. Ou seja, além do prazo exíguo para se pagar o sócio retirante o valor a ser pago também obedece ao racional de valor de mercado desta participação societária.
Outro equívoco grave que traz risco para sobrevivência da empresa familiar, está no parágrafo único, do art. 600, quando o legislador afirma que “o cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio.”
A sociedade empresária ou simples, na atual concepção no Direito Empresarial, é reconhecida como a conjugação de esforços comuns no desenvolvimento de atividade empresarial ou não econômica para a repartição dos resultados negativos ou positivos (prejuízos e lucros). Portanto, não faz o menor sentido que, por conta do término do casamento, união estável ou convivência, sejam apurados os haveres, com o pagamento ao cônjuge ou companheiro, sem critério pré-estabelecido nos contratos sociais.
O término do casamento ou da união estável não pode afetar os outros sócios, tampouco prejudicar a sociedade familiar, inclusive pondo-a sob risco de sobrevivência. O NCPC sequer deixou claro que o “ex” só faz a jus a partilha conforme seu regime de casamento ou pacto de conviventes.
Do jeito que ficou mal redigido, não importará sequer o regime de casamento de sócios ou regramento da sua união estável. Ao final da demanda, o “ex – agregado” levará um pedaço de participação societária, e, se quiser transformar em liquidez o que recebeu,o restante da empresa familiar terá que pagar e poderá ficar engessada e certamente sua atividade econômica será afetada .
Como se vê pelos percalços de uma legislação pátria pífia no tema da empresa familiar, prevalecerá sempre à lógica e nossa recomendação constante em sala de aula de que rever e ajustar contratos sociais e estatutos de sociedades anônimas familiares de capital fechado é fundamental, pois, prevenir ainda é o melhor remédio para preservação da empresa familiar.
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