José Ernesto Bologna fala sobre os desafios dos coletivos

José Ernesto Bologna recorreu à filosofia para discutir conceitos essenciais, hoje esquecidos, que devem ser considerados na formação da cultura empresarial familiar e sucessória em sua apresentação no Family Business Investment 2024.
Bologna é fundador da “Ethos ShareWoods – Seres Humanos de Negócios”, professor convidado da Fundação Dom Cabral, da St. Paul Business School e de outras escolas de desenvolvimento de líderes fundadores, conselheiros, acionistas e herdeiros e atual presidente do Conselho da Arezzo&Co, conselheiro e ex-conselheiro de diversas empresas, pesquisador e autor em ciências humanas aplicadas às ciências organizativas.
O Fórum Brasileiro da Família Empresária (FBFE) reuniu, em São Paulo, representantes dos principais family offices do país para discutir questões que envolvem os processos sucessórios e influenciam a gestão das empresas familiares. Questões técnicas, éticas e relacionais, que permeiam a construção dos melhores futuros a partir do presente, foram destacadas.
Mentor, conselheiro e consultor de empresas familiares, Bologna recorreu à sua postura como um “transdisciplinar radical” – que integra as disciplinas, de humanas a exatas, a serviço do bem-estar com prosperidade – mesclando doses de filosofia, antropologia, psicologia e sociologia para fazer fortes provocações à seleta plateia do Family Business Investment Summit 2024.
Ao discorrer sobre o que chama de “os seus 3F” tomados como “resultados” – Fama, Fortuna e Felicidade -, Bologna nos convida a reconsiderar aspectos, em geral menosprezados, na condução das relações de negócios e sucessões nas empresas familiares.
Expondo uma “pirâmide de valores” cuja base são “as razões eróticas” (faço porque desejo) subindo, em seus patamares, para as razões “(ii) práticas, (iii) éticas, (iv) estéticas, (v) políticas e (vi) poéticas” e descrevendo “a razão da razão” de cada uma delas, a saber: … (i) porque é gostoso, (ii) porque é exequível, (iii) porque é socialmente justo (iv) porque é belo (v) porque é preciso dosar cada razão anterior para o bom convívio social (vi) porque é imprescindível defender a linguagem, elevando e respeitando as palavras, ao invés de degradá-las no cinismo sofista sequestrando a retórica – … baseado nessa escala de valores, José Ernesto Bologna mostrou que discutimos hoje os mesmos problemas éticos e morais que os atenienses discutiam no século IV a.C.
“Faz 2.400 anos que nós giramos ao redor das nossas retóricas sofistas e não conseguimos criar uma cultura de transparência com sinceridade de propósitos para os nossos coletivos.
Sejamos realistas, sem sermos injustos. Os cientistas naturais – físicos, químicos, biólogos … – os cientistas exatos – os matemáticos … – e as aplicações de tais ciências na engenharia, na medicina, et al, fizeram mais, nesses milênios, pela melhoria da condição humana do que os filósofos e os cientistas sociais. Falo com absoluto respeito aos meus colegas e amigos humanistas, aos nossos grandes mestres atuais e do passado, reconhecendo o corajoso e tenaz esforço de todos, mas é inegável que até hoje lutamos com os ardis da razão vil sequestrando racionalmente a retórica, a serviço de propósitos escusos” destacou José Ernesto Bologna.
Para José Ernesto Bologna, o bem-estar e o bom convívio tornam-se impossíveis num ambiente de tanta incerteza e insegurança, principalmente se propositalmente produzidas. O que as reduz é a reposição, nas relações, das razões e dos afetos, integrados. Banir das relações a afetividade que gera confiança, em nome da “razão prática”, foi, ao lado dos seus bens, o grande mal que o racionalismo nos legou, e exageramos.
“Essa prática não é somente imoral. Ela é esteticamente horrível”, acusa ele, e lembra: “Fato que nos leva a buscar na estética esse último, e dramático, socorro da ética. Ensinemos beleza, para tentar produzir justiça, mostrando o quanto o injusto e o falso são horrivelmente feios…” e prosseguiu: “De nada tem adiantado tentarmos argumentar racionalmente contra a inaceitável ‘feiúra’ do sofisma e do cinismo destruindo os coletivos.
O argumento, racional, de que as pessoas assistirão às consequências e mudarão suas opiniões está esperando tais mudanças há alguns séculos. Ao mesmo tempo, é inaceitável que pratiquemos a mesma vileza que delatamos, assim como é inaceitável combatê-la utilizando a violência. O que resta é uma ética que consiga convocar e se aliar a uma estética, denunciando e combatendo a grosseria pragmática, ao mesmo tempo que elevando e celebrando a elegância refinada da simplicidade sem o ardil. Isso é a Poética!” completa José Ernesto Bologna
Criticando o excessivo pragmatismo objetivista dos tempos atuais – ainda que admitindo algumas de suas virtudes – Bologna prosseguiu: “Se não contratarmos e obedecermos uma ‘ética estética’, se não conseguirmos um pacto social, seja ele de um casal, de um casal com filhos, de uma família, seja ele de um grande coletivo empresarial, ou de uma nação, um contrato que inclua e que respeite a relação entre a verdade e a socioafetividade, não conseguiremos bem-estar individual com bom convívio coletivo”.
José Ernesto Bologna destacou que o tema da felicidade, na sua relação com a fama e com a fortuna, se relaciona diretamente com a nossa “construção de coletivos” – expressão que ele muito valoriza – sejam coletivos familiares, empresariais ou nacionais, de forma a contar, minimamente, com segurança e previsibilidade. Lembrando Platão ao considerar que civilização é previsão da conduta, José Ernesto Bologna comentou:
“Eu necessito de um certo grau de previsibilidade em relação ao que farão os que estão ao meu redor, ao que farão os que me dirigem, aqueles que sobre mim têm poder, com maior poder ou menor poder”. Ele recorreu à “Teoria da Insuficiência do Contrato” – tema que rendeu a Oliver Hart e Bengt Holmström o Nobel de Ciências Econômicas de 2016, fazendo a seguinte provocação: “Não há contrato que seja suficiente para conter o mau caráter. Você pode escrever cinco mil páginas que não irá listar todas as possibilidades que a razão é capaz de ardilosamente armar para o que quer que seja. Não é o contrato que garante o caráter, é o caráter que garante o contrato”, afirmou.
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