Por que as mulheres são minoria em cargos executivos das organizações?
Olá,
Continuando as nossas postagens sobre a discussão do projeto de lei que prevê Cotas para Mulheres no Conselho de Administração das Empresas, trazemos no post de hoje um panorama de uma realidade nada animadora. Afinal, Por que as mulheres são minoria em cargos executivos das organizações?
Na semana passada, no primeiro post da série, abordamos esse assunto levantando questões como o Perfil dos Conselheiros no Brasil, os números que indicam a baixíssima participação das mulheres nos Conselhos, chegando a 3,2% quando se trata de herdeiras, e mudança de cenário em países que adotaram as Cotas.
1 – O Viés de Gênero de Segunda Geração
Em artigo publicado na Harvard Business Review, em setembro de 2013, os pesquisadores Hermínia Ibarra, Robin Ely e Deborah Kolb identificam o que acredita ser a causa principal da lacuna da liderança. O estudo aponta que os preconceitos de gênero, persistentes nas organizações e na sociedade, interrompem o ciclo de aprendizagem que é, normalmente, a rota para ser tornar um líder.
A tese central do estudo é que as pessoas tornam-se líderes de modo interativo: assumem funções cada vez mais desafiadoras, aprendem com os mentores e experimentam novos comportamentos. Então, se seu desempenho é reconhecido, repetem o processo.
A pesquisa mostra que, muitas vezes, este processo é mais difícil para as mulheres do que para os homens, por causa de preconceitos sutis. Por exemplo, o comportamento considerado assertivo em um homem, é visto como agressivo em uma mulher, sendo, consequentemente, denegrido em vez de recompensado.
O caminho sugerido é no sentido das mulheres poderem focar mais na sua meta de liderança e menos como são percebidas. Observar-se que a tendência humana de gravitar em torno de seus iguais leva homens poderosos a patrocinar e advogar para outros homens quando surgem oportunidades de liderança.
Muitas vezes o potencial de liderança das mulheres é demonstrado por formas menos convencionais e, às vezes, são necessárias mulheres poderosas para reconhecer esse potencial. Todavia, mulheres poderosas ainda são raras. Os estudos realizados identificaram o que foi denominado “viés de gênero de segunda geração”. Esse viés levanta barreiras poderosas, mas sutis e, muitas vezes invisíveis, para as mulheres que ascendem a partir de pressupostos culturais e estruturas organizacionais, práticas e padrões de interação que beneficiam os homens, colocando-as em situação de desvantagem. Entre essas barreiras estão:
- escassez de modelos de funções para as mulheres;
- vias profissionais em função do gênero;
- posto internacional que requer uma pessoa casada;
- falta de acesso das mulheres a redes patrocinadoras;
- vínculos duplos (na maioria das culturas, masculinidade e liderança estão intimamente ligados).
Para superar o problema, os pesquisadores propõem três medidas a serem adotadas pelas empresas:
- educar homens e mulheres sobre o viés de gênero de segunda geração;
- criar espaços de trabalho de identidade seguros nas transições para papeis maiores;
- apoiar esforços ao desenvolvimento da mulher na busca pela liderança, em vez de atentar para a forma como as mulheres são percebidas.
Acreditam os autores da pesquisa que essas ações darão às mulheres um insight de si mesmas e de suas organizações, capacitando-as a mapear mais eficazmente uma rota para a liderança.
2 – Teto de Vidro ou Labirinto? (metáforas para as barreiras invisíveis)
Três décadas atrás, a expressão “teto de vidro” começou a ser usada para descrever a barreira encontrada pela mulher rumo a postos de alto comando. As pesquisadoras Eagly e Carli, da Northwestern University e da Wellesley College, respectivamente, sustentam em artigo publicado na Harvard Business Review intitulado “A Mulher e o Labirinto da Liderança”, que a metáfora deixou de ser útil e que pode, inclusive, levar gestores a menosprezar medidas que combateriam o mal pela raiz, onde quer que se manifeste. A figura de um labirinto seria mais condizente para ajudar a organização a entender e a remover os obstáculos ao avanço da mulher.
Em vez de sugerir um obstáculo absoluto no penúltimo estágio de uma carreira de destaque, o labirinto simboliza a complexidade e a variedade dos desafios que a mulher pode enfrentar nessa jornada.
Vestígios de preconceito contra a mulher, questões ligadas ao estilo de liderar e à autenticidade na liderança, além de responsabilidades no lar, são apenas alguns dos desafios. A pressão para um cuidado intensivo dos filhos e o alto tempo exigido pela maioria das ocupações profissionais de alto nível deixam à mulher pouco tempo para socializar com colegas e tecer redes de contatos profissionais — ou seja, para acumular o capital social essencial para a ascensão de um executivo.
Não é o teto de vidro que impede a ascensão, mas vários obstáculos ao longo do caminho.
A metáfora do teto de vidro hoje é mais errada do que certa. Primeiro, porque ilustra uma barreira absoluta em um nível elevado — e bem específico — da organização. O fato de que há mulheres na presidência de empresas, de universidades, de países e de outras esferas do poder público lança por terra o argumento.
Ao mesmo tempo, a metáfora implica que mulheres e homens têm igual acesso a postos de nível iniciante e intermediário. Não têm. A ideia do obstáculo transparente sugere, ainda, que a mulher é iludida em relação a suas oportunidades, pois seria difícil vislumbrar, de longe, o impedimento. Certos entraves, porém, não são sutis.
O fato é que a mulher não é barrada somente ao atingir o penúltimo estágio de uma carreira de destaque — mas some de vista em inúmeros pontos a caminho desse degrau.
E quais são os entraves com que a mulher se depara ao longo de sua jornada profissional?
Vestígios de preconceito. É um fato amplamente estabelecido que o homem ainda ganha mais e sobe mais depressa na carreira. Isso se deve a discriminação ou simplesmente ao fato de que, por ter menos deveres no lar e, em média, uma carreira mais longa, o homem acaba tendo qualificação maior? Centenas de estudos já tentaram achar a resposta.
Casar e ter filhos, por exemplo, são fatos associados a uma renda maior no caso do homem, mas não no da mulher. Estudos mostraram que homens brancos já estavam à frente dos demais grupos ao entrar no mercado de trabalho — e sua vantagem na ascensão à gerência crescia ao longo da carreira, tanto na disputa de cargos tradicionalmente ocupados por homens, bem como em ocupações de maior integração de gênero.
Resistência à liderança da mulher. O que está por trás da discriminação que acabamos de descrever? Basicamente, associações mentais disseminadas, conscientes ou não, sobre a mulher, o homem e a liderança. Estudo após estudo constatou que as pessoas associam homens e mulheres a traços distintos e vinculam o homem a uma série maior de traços que denotam liderança.
Então, o que fazer diante de um problema tão multifacetado?
Conscientizar as pessoas sobre as raízes psicológicas do preconceito em relação à mulher no comando e combater essas percepções. Expor preconceitos arraigados tem sido a meta de muitas campanhas de diversificação — que sem dúvida trouxeram mais ganhos do que danos. O risco é que seus efeitos sejam minados se as lições transmitidas não forem respaldadas por aquilo que gerentes dizem e fazem no dia-a-dia da empresa.
Mudar a norma das longas horas de trabalho. À medida que a empresa possa adotar regras objetivas de produtividade, a mulher que precisa cuidar da família, mas tem hábitos altamente produtivos de trabalho, terá a recompensa e o estímulo merecidos.
Reduzir a subjetividade da avaliação de desempenho. Uma maior objetividade em avaliações também combate o efeito de preconceitos arraigados na hora de contratar e promover. Para que haja justiça, os critérios devem ser explícitos e os processos de avaliação projetados para limitar a influência de vieses conscientes ou inconscientes de quem toma as decisões.
Empregar métodos de recrutamento abertos para preencher vagas, como classificados e agências de emprego, em vez de redes sociais informais e indicações. O recrutamento na própria empresa também deve ser transparente, com a divulgação de vagas abertas em locais apropriados.
Garantir uma massa crítica de mulheres — e não só uma ou duas — em postos executivos para afastar o problema do simbolismo. Se torna um símbolo, a mulher acaba enquadrada em papéis estereotipados: a “sedutora”, a “mãe”, a “mascote”, a “dama-de-ferro”. Essa estereotipagem limita as opções da mulher e torna difícil sua ascensão a postos de responsabilidade. Quando não é parte de uma reduzida minoria, sua identidade como mulher fica menos saliente e é mais provável que a reação dos demais seja balizada por sua competência.
Evitar instalar uma única mulher nas equipes. A direção da empresa tende a dividir seu pequeno contingente de gerentes do sexo feminino entre vários projetos, com a ideia de garantir diversidade a todos. Mas vários estudos revelam que a mulher, nessa posição de minoria absoluta, tende a ser ignorada pelos homens. Ao chegar a postos de maior poder e autoridade, a mulher se vê cada vez mais num meio povoado pelo outro sexo — e algumas, pela primeira vez, se sentem seriamente marginalizadas. Isso explica, em parte, por que a metáfora do telhado de vidro soa verdadeira para tantas. Mas, na verdade, o problema pode se apresentar em qualquer nível.
Ajudar a reforçar o capital social. A responsabilidade perante a família é a grande culpada pelo subinvestimento da mulher no networking. Na falta de tempo, essa atividade social é a primeira a ficar para escanteio. A organização pode ajudar a mulher a entender por que cultivar contatos merece mais atenção. A mulher ganha, em particular, com relações fortes com mentores e conexões com redes de amplo poder. Quando um indivíduo bem situado e dotado de grande legitimidade (em geral um homem) assume interesse na carreira de uma mulher, o esforço dela para construir capital social pode ser muito mais eficaz.
Preparar a mulher para a gerência de operações com postos exigentes. Assim como o homem, a mulher deve ter o benefício de experiências profissionais formativas para estar qualificada para promoções.
Estabelecer políticas de recursos humanos favoráveis à família. Isso pode incluir flexibilidade de horário, divisão do trabalho, trabalho em casa, benefícios para adoção, alternativas para quem precisa cuidar de filhos ou de idosos e creches na empresa). Esse apoio pode permitir à mulher permanecer no trabalho durante a fase mais exigente da criação dos filhos, construir capital social, permanecer atualizada e, em última instância, disputar postos mais elevados.
Dar a funcionários com consideráveis responsabilidades domésticas mais tempo para provar que merecem promoção. Isso vale particularmente para organizações nas quais o plano de carreira prevê apenas duas coisas: ascensão ou expulsão. Nelas, quem não está pronto para ser promovido ao mesmo tempo que os colegas de melhor desempenho não tem a opção de permanecer onde está, mas acaba obrigado a deixar a empresa. Obrigar a pessoa a sair da rota da promoção não só reduz o número de mulheres que chegam à alta gerência, mas também representa a incapacidade da empresa de capitalizar o investimento feito na pessoa.
Receber de volta a mulher. Faz sentido dar a mulheres de alto desempenho que abandonam a força de trabalho uma oportunidade de retornar a postos de responsabilidade quando suas circunstâncias mudam. Manter abertas as linhas de comunicação pode transmitir a mensagem de que um retorno talvez seja possível.
Incentivar o homem a usufruir benefícios favoráveis à família. Quando só a mulher tira proveito de políticas ligadas à família, há riscos. Qualquer iniciativa voltada a um equilíbrio maior entre trabalho e família deve buscar a participação dos homens para evitar dificultar, sem querer, o acesso da mulher a papéis essenciais de gerência.
Em suma, um viés geral contra a mulher parece operar com força mais ou menos igual em todos os níveis. A escassez de mulheres no alto escalão de empresas é a soma da discriminação registrada em todos os níveis — e não indício de um obstáculo específico ao avanço da mulher que se aproxima do topo. O problema, em outras palavras, não é um telhado de vidro.
Por hoje é isso! Não deixe de acompanhar na próxima semana o Post que trará com detalhes o Projeto de Lei PLS 112/2010 e o debate entre os defensores e os opositores da ideia. Caso você não tenha lido o primeiro post da série “Cotas para mulheres no Conselho de Administração – Falácia ou Solução?” leia aqui!
Obrigada,
Dulce
[…] abordamos a realidade das mulheres em cargos executivos no Brasil; e no post da semana passada “Por que as mulheres são minoria em cargos executivos das organizações?” relatamos a questão da mulher e sua carga história, […]