Cotas para mulheres no Conselho de Administração – Falácia ou Solução?
No Brasil, ainda que não haja desigualdade considerável para o acesso das mulheres aos serviços de saúde e de educação fornecidos, a situação é totalmente diversa quanto às oportunidades econômicas e ao empoderamento político. Estudos comprovam que a presença de mulheres no alto escalão de empresas brasileiras ainda é reduzida e tem aumentado pouco nos últimos anos. Um deles, produzido pelo Grupo de Pesquisas de Direito e Gênero da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas São Paulo (FGV-SP) e cujos resultados foram divulgados em 2014, mostrou que a presença de mulheres nos altos cargos é de apenas 8%.
Pesquisadores da FGV-SP constataram também que, no período de 1997 a 2012, o percentual de mulheres não mudou. E ainda mais alarmante, mantendo o status quo sem nenhuma atitude proativa (como as cotas compulsórias, por exemplo) levaríamos no Brasil mais de 80 anos para atingir equilíbrio na representatividade de mulheres em cargos executivos.
Sob uma perspectiva mais ampla, a baixa inserção de mulheres na economia e na política fez o Brasil cair nove posições em 2014 no ranking de igualdade de gênero elaborado pelo Fórum Econômico Mundial. O Global Gender Report de 2014 coloca o País em 71º em um total de 142 países – no ano anterior, era 62º colocado.
O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) apontou que 92,8% dos membros de conselhos de administração das empresas de capital aberto são homens. Se excluirmos as herdeiras, a participação fica ainda menor – cai para 4%.
De acordo com o IBGE, as mulheres correspondem a 43,83% do total da população economicamente ativa, seu tempo médio de estudos é maior do que o dos homens e sua participação nas universidades apresenta crescimento constante, abrangendo atualmente cerca de 58,0% do total de estudantes. Há mulheres capacitadas também nas faixas etárias em que se situa a maior parte dos conselheiros: elas perfazem nada menos do que 54% da população economicamente ativa do País com idades entre 40 e 69 anos e com ensino superior completo.
Pesquisa realizada pelo Instituto Ethos em parceria com o Ibope, em 2010, aponta que nas 500 maiores empresas em atuação no Brasil a participação das mulheres é inversamente proporcional ao nível dos cargos: 37% dos aprendizes, 33,1% o quadro funcional, 26,8% da supervisão, 22,1% da gerência e 13,7 da diretoria executiva.
Nos formulários de referência das empresas com ações negociadas em bolsa de valores, o IBGC verificou que, entre 2010 e 2012, o percentual de mulheres nas diretorias estatutárias variou entre 7,2% e 8,0%. O percentual feminino no cargo de executivo principal não chegou a 4%. Foi constatado ainda que 73,3% das empresas listadas não tinham cargos de diretoria estatutária ocupados por mulheres.
Se os números indicam e há consenso sobre a baixa proporção entre homens e mulheres em cargos de alto comando, as soluções dividem opiniões.
POLÍTICA DE COTAS
No Brasil, observam-se algumas ações em curso para reverter o déficit de cargos executivos exercidos pelas mulheres, a exemplo dos projetos de lei em tramitação no Congresso e iniciativas espontâneas de empresas e organizações inspiradas em exemplos internacionais. Para lidar com o problema, alguns países aplicam metas voluntárias, ao passo que outros implementam medidas legislativas mais estritas (que costumam gerar polêmica), como cotas compulsórias.
Política de cotas tende a ser um assunto polêmico. Nem todos entendem ou concordam que, às vezes, é necessário “reparar” um prejuízo histórico que remete a centenas de anos para promover a igualdade por meio de ações legais específicas. Há ainda quem defenda o estímulo à participação feminina em cargos de patente menor, de maneira a ampliar a oferta em posições mais altas com o passar do tempo. Se não formamos bem a base, como poderemos promover mais mulheres para o topo? Eis um questionamento recorrente.
Estudos diversos demonstram que os países que hoje apresentam cenários mais favoráveis do que o Brasil não progrediram sem cotas ou, no mínimo, sem que tivesse havido uma grande ameaça de implantação destas. Observa-se ainda uma terceira via surgindo em países como Reino Unido e EUA, onde grupos independentes de empresas definem metas voluntárias para aumentar a presença feminina nos conselhos e no alto escalão.
Por que estamos em menor número que os homens nos cargos executivos das organizações? A política de cotas seria um mecanismo eficiente para ampliar o nível de participação feminina em cargos executivos no Brasil?
Perfil dos conselheiros no Brasil
O Conselho de Administração é a instância encarregada de elaborar estratégias para a empresa. Enquanto a diretoria executiva pensa no dia a dia do negócio, o conselho pensa no amanhã. É um trabalho bem remunerado: um conselheiro ganha em torno de R$120.000,00 (cento e vinte mil reais) por ano, segundo o IBGC.
Um conselheiro possui obrigação fiduciária, destacando-se 2 aspectos fundamentais: fidelidade (colocar os interesses da empresa acima de qualquer outro) e prudência (dispensar atenção, habilidades e diligência adequada às decisões dos negócios). Em uma companhia com um conselho independente, isto é, delegada a profissionais qualificados e sem vínculo direto com os executivos da organização, os assentos são preenchidos por conselheiros com sólida formação acadêmica, visão geral de administração, conhecimento de finanças, contabilidade e mercado, experiência em estratégia de negócios e capacidade de identificar e controlar riscos.
Os membros do conselho de administração são escolhidos, no Brasil, pelos sócios, em assembleia. Na maioria das vezes, a indicação dos candidatos é feita por meio de chapa, proposta pelos acionistas, e em muitos casos, são os próprios conselheiros e executivos que indicam. É um grupo fechado que elege e pode demitir presidentes e diretores executivos.
Dados coletados em formulários de referência pelo IBGC permitem traçar o perfil de um conselheiro, ao tempo que evidenciam as barreiras encontradas pelas mulheres que ambicionam um assento em conselho de administração.
Nota-se que as idades dos conselheiros nomeados em 2012 são bastante variadas, com percentuais mais altos nas faixas etárias acima de 40 anos, o que possivelmente se explica pela preferência por profissionais experientes e com atuação anterior em cargos da alta administração ou alta gestão.
Cerca de 92,8% dos conselheiros são homens. Os conselhos de mais de dois terços das empresas com ações negociadas em bolsa no Brasil (67,0%) são caracterizados como fóruns exclusivamente masculinos.
Seleção de Conselheiros
Em geral, valorizam-se experiências em cargos na alta administração e na alta gestão, priorizando profissionais formados há pelo menos vinte anos nas áreas de engenharia, administração de empresas ou economia, existindo no mercado número de homens muito maior do que de mulheres candidatas que atendem essas condições.
A seleção pode ser feita entre nomes de uma rede de contatos restrita do alto escalão, o que acaba prejudicando as mulheres, uma vez que poucas delas ocupam altos cargos, o que favoreceriam sua interação com outros profissionais do topo da hierarquia.
A escolha também pode se dar entre os profissionais que se preparam ou se apresentam ao mercado por meio de canais do IBGC, deparando-se com número muito maior de homens do que de mulheres certificados por aquela instituição.
Experiência Internacional
O primeiro país a adotar a prática de cotas foi Israel em 1993, destinando 30% dos cargos de estatais ao sexo feminino. Desde então, leis semelhantes foram adotadas por outros países, a exemplo da África do Sul (1996), Irlanda (2004), Finlândia (2004), Islândia (2006), Suíça (2006) e Dinamarca (2009). Cotas também foi o caminho adotado pela Áustria, Eslovênia, Quênia, Itália, Bélgica e França.
Em março de 2015, o Bundestag – câmara baixa do Parlamento alemão- aprovou uma cota mínima de 30% de mulheres nos conselhos administrativos de grandes empresas alemãs, obrigando as instituições a deixarem os cargos vagos, caso não queiram preencher a cota. A lei começa a valer a partir deste ano e atingirá inicialmente 110 empresas que atuam com gestão participativa.
Noruega
É o caso mais emblemático até o momento. Em 2002, a Noruega apresentava 6,8% de mulheres em conselhos de administração (número semelhante ao brasileiro). Em 2003, foi aprovada uma lei estabelecendo que todas as companhias listadas em Bolsas de Valores, empresas estatais e companhias intermunicipais deveriam apresentar 40% de mulheres em seus conselhos de administração em até 5 anos. Em 2008, os 40% foram alcançados e, em 2010, chegou-se a 40,3% de participação de mulheres nos conselhos.
Quando o governo norueguês resolveu obrigar empresas públicas e privadas de capital aberto a adotarem cotas para as mulheres em seus conselhos diretores foi recebido com uma enxurrada de previsões catastróficas.
Pelas novas regras, as companhias norueguesas que não tivessem 40% dos assentos de seus conselhos ocupados por mulheres até 2008 poderiam enfrentar sanções que poderiam chegar ao fechamento da empresa. Na época, a média de presença feminina era de 7%. Das 611 empresas sujeitas às novas regras, 470 não tinham nenhuma mulher em seu corpo de diretores.
Para os críticos, as empresas locais não conseguiriam encontrar profissionais com talento ou experiência para preencher as cotas femininas, ficariam sem rumo e perderiam produtividade. O PIB encolheria e o nível de emprego cairia.
Depois de uma década da aprovação das cotas, as previsões de um cataclismo corporativo não se confirmaram e há quem diga que as empresas norueguesas se tornaram mais competitivas (embora esta afirmação seja controversa).
Na próxima semana falaremos sobre o Projeto de Lei que estabelece que os conselhos de administração das empresas públicas, sociedades de economia mista e demais empresas controladas pela União tenham percentual mínimo de 40% de mulheres em sua composição até 2024.
Até mais!
[…] semana passada, no primeiro post da série, abordamos esse assunto levantando questões como o Perfil dos Conselheiros no Brasil, […]
[…] são os objetivos, o que dizem os defensores e os opositores da iniciativa. No primeiro post “Cotas para mulheres no Conselho de Administração – Falácia ou Solução?” abordamos a realidade das mulheres em cargos executivos no Brasil; e no post da semana passada […]