Stefano Orioli, pesquisador e professor da IE Business School de Madri, convidou o público a embarcar em uma jornada incomum: uma viagem às emoções que moldam as empresas familiares. “Depois de uma manhã de economia, tecnologia e negócios, chegou a hora de falarmos de emoções”, anunciou com um sorriso sereno e sotaque italiano. Foi o ponto de partida de uma palestra que uniu ciência, experiência pessoal e uma visão profundamente humana sobre o que move as famílias empresárias, o conceito de riqueza socioemocional, ou social emotional wealth.
Sua transição para a vida acadêmica nasceu de um momento de perda pessoal, a morte do pai, que o levou a repensar o sentido de legado e continuidade. “Meu pai era banqueiro, e eu cresci no banco. Lembro da fumaça do charuto e da janela aberta no inverno. Cresci entre o trabalho e a pessoa dele. Quando o perdi, percebi que não tinha perdido só meu pai, mas também uma parte da minha identidade profissional.”
Foi nesse período que ele conheceu a teoria da Social Emotional Wealth (SEW), desenvolvida por Cristina Cruz e Luis Gómez-Mejía, professores da IE University. Segundo essa abordagem, as empresas familiares tomam decisões que nem sempre maximizam o lucro financeiro mas que fazem sentido quando vistas sob a lente do vínculo emocional e do propósito.
“Por que tantas famílias rejeitam ofertas lucrativas, mantêm negócios pouco rentáveis ou evitam demitir parentes ineficientes? Porque estão protegendo algo invisível, mas essencial: a identidade, o legado e o controle familiar. Elas não performam menos que performam diferente”, explicou.
Stefano Orioli comparou a dinâmica das empresas familiares a uma função de utilidade emocional: não se trata apenas de maximizar o retorno econômico (ROI), mas também de maximizar o “retorno afetivo”. A verdadeira riqueza é composta por dois ativos, o capital financeiro e o capital socioemocional.
Durante a palestra, ele mostrou como esse conceito se traduz em comportamento. “As famílias empresárias muitas vezes assumem riscos financeiros altos para proteger o que realmente importa: o nome, a reputação, o orgulho de continuidade. Alguns riscos são aceitáveis — como lucrar menos no curto prazo. Mas perder o nome? Nunca.”
A explicação ganhou vida com imagens e exemplos. Stefano Orioli descreveu o cotidiano das famílias empresárias como um entrelaçamento afetivo: o cheiro do galpão, as conversas à mesa, as memórias da infância no escritório do pai. “É nesse espaço emocional que o negócio deixa de ser apenas uma atividade econômica e se torna parte da identidade.”
Para ilustrar, apresentou o modelo FIBER, que quantifica a riqueza socioemocional a partir de cinco dimensões:
Family control (controle e autonomia da família)
Identification (identificação entre família e empresa)
Binding social ties (laços sociais e coesão)
Emotional attachment (apego emocional)
Renewal of family bonds (compromisso com a continuidade geracional).
Segundo Stefano Orioli, compreender essas dimensões é fundamental para lidar com os dilemas de sucessão e governança. “Toda decisão estratégica em uma empresa familiar é uma aposta dupla, uma mix gamble entre o financeiro e o emocional. Recrutar um gestor externo pode melhorar a performance, mas também pode diluir o legado. É sempre uma escolha entre proteger o coração ou o patrimônio.”
Com olhar provocador, Stefano trouxe uma reflexão cultural: “Nos países latinos, como Itália e Brasil, a riqueza socioemocional é intensiva. Aqui, a família é mais ampla, inclui tios, primos, compadres. Ser intensivo é valorizar o orgulho, o nome e a continuidade; ser sensível é saber se adaptar. E nós, latinos, somos as duas coisas.”
Ele destacou ainda a importância de ver a empresa familiar como um porto seguro em um ambiente global cada vez mais instável, o chamado contexto VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo). “As empresas familiares brasileiras vivem nesse ambiente de incerteza, e talvez por isso a preservação do vínculo emocional seja ainda mais vital.”
Nos minutos finais, Stefano Orioli apresentou sua própria tese: as famílias empresárias não são apenas guardiãs de negócios são agentes de diplomacia privada. “As heranças que deixamos não se limitam aos nossos filhos, mas também à comunidade. As empresas familiares podem influenciar positivamente o entorno, defender causas, dialogar com governos e moldar políticas públicas que protejam o legado e o impacto social.”
Com exemplos de líderes como Gianni Agnelli (Fiat) e Silvio Berlusconi, ele mostrou como famílias empresárias europeias utilizaram sua influência não apenas para prosperar, mas também para moldar instituições e fortalecer o tecido social.
Ao encerrar, deixou uma mensagem simples e poderosa, que aprendeu com a mãe:
“Quando a família se senta à mesa, ninguém levanta até resolver o problema. Essa é a verdadeira governança familiar: o diálogo, o consenso e a continuidade.”
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