Sucessão e o futuro das empresas familiares
Sucessão e o modelo tradicional de empresas familiares, base da economia mundial, encontra-se diante de novos dilemas em um ponto crucial para a sua perpetuação: a transferência do patrimônio e do comando do negócio de uma geração para outra. Vários fatores, entre os quais se incluem principalmente as mudanças demográficas em diferentes países, estão tornando os processos sucessórios mais desafiadores.
Essas mudanças ocorrem quando se prevê uma transferência massiva de riquezas entre as gerações. Estimativas indicam que, globalmente, as heranças dos chamados “baby boomers”, nascidos nas duas décadas após a Segunda Guerra Mundial, para os “millennials”, como é conhecida a geração que nasceu entre 1980 e 1996, somarão US$ 150 trilhões. Esses recursos deverão impulsionar profundas mudanças na economia mundial, graças a novas tecnologias e às transformações da indústria energética, que contribuirão para uma transição do planeta para um futuro mais limpo.
Sucessão é um dos pontos mais sensíveis na dinâmica da família empresária, como mostram as estatísticas. Os conflitos familiares e as dificuldades de encontrar um herdeiro com disposição e preparo para garantir a continuidade dos negócios da família sempre foram dificuldades inerentes à sucessão. Nos últimos anos, uma série de fatores tem adicionado mais instabilidade e insegurança a esse processo, que por sua natureza já é bastante desafiador.
No passado, a alta taxa de natalidade e os casamentos arranjados ajudavam as famílias empresárias a superar as dificuldades no processo sucessório. Os Rothschild, dinastia bancária que se estende por mais de 200 anos, por exemplo, adotaram como prática os casamentos arranjados restritos aos diferentes ramos da família como estratégia para concentrar riqueza e poder.
Hoje, o declínio da taxa de natalidade reduziu a disponibilidade de herdeiros para os negócios familiares e, os casamentos arranjados perderam lugar para a livre escolha. O aumento da longevidade da população também afeta o processo sucessório: patriarcas e matriarcas permanecem mais tempo no controle. Soma-se a isso a resistência em passar o bastão.
Os especialistas destacam também um outro problema: muitos herdeiros não se mostram dispostos a assumir os negócios da família, especialmente se as empresas estão localizadas fora dos grandes centros urbanos. Com a possibilidade de estudar fora da cidade natal, nas grandes cidades, os herdeiros preferem investir em outros negócios. Na Alemanha, esse fenômeno foi batizado de “efeito Buddenbrook”. Trata-se de uma referência ao romance “Os Buddenbrook”, de Thomas Mann, de 1901, que retrata o declínio financeiro de uma empresa familiar ao longo de quatro gerações devido a decisões equivocadas e problemas de sucessão.
Pesquisas do IFO Institute e da Foundation for Family Businesses (FFB), ambos de Munique, mostram que o “efeito Buddenbrook” está se tornando sistêmico na economia mais importante da Europa. Uma das pesquisas mostra que apenas 43% das empresas familiares alemãs devem ter uma sucessão familiar; outra pesquisa cita que somente 34% conseguiram fazer a transição familiar, sendo que destas, apenas 25% têm um membro da família no conselho. Outro levantamento revela ainda que 42% das empresas familiares não possuem um herdeiro na família.
Os dados apontam que o modelo tradicional de sucessão ainda precisa vencer desafios como gestões envelhecidas, cadeias sucessórias interrompidas ou instáveis e uma resistência em profissionalizar a gestão da empresa. Contudo, esse momento crítico é uma oportunidade para se ressignificar a sucessão e buscar novas formas de investir, valorizando assim o potencial transformador das novas gerações, unindo seus desejos, habilidades e obrigações.
Essa transição, de Família Empresária para Família Investidora é a alternativa para prolongar o ciclo de vida do patrimônio familiar, não se limitando ao da empresa, que tende a se restringir às condições e ao ambiente do negócio que a originou, alinhado aos interesses da nova geração.
“A diversificação de investimentos no novo modelo transcende o negócio, amplia ativos e perpetua o patrimônio ao longo das gerações. No modelo de Família Investidora, as tecnologias deixam de ser uma ameaça e passam a ser aliadas ou novas áreas de negócios. Ao mesmo tempo, transformam-se em atrativo eficaz para os herdeiros.” destaca Nelson Cury Filho no Family Business Investment 2024.
O sucesso desse novo modelo, depende, contudo, de uma governança estruturada e ativa, composta por conselho consultivo ou de administração, conselho de família, acordo de acionistas, gestão profissionalizada, planejamento sucessório, e código de conduta, além da divisão de responsabilidades dos gestores familiares e estruturação do family office.
A superação de obstáculos, a adaptação a novas conjunturas, a capacidade de se reinventar e a diversificação de patrimônio têm garantido a muitas famílias empresárias sobreviver por décadas.
O mercado imobiliário é um exemplo dessa capacidade de encontrar novos caminhos. Em Miami, por exemplo, as famílias empresárias do ramo de varejo de luxo, como Fendi, Missoni e Porsche, ampliam seus negócios e assinam novos empreendimentos imobiliários. Os imóveis com grife transformaram-se em um nicho que deverá crescer 12% ao ano até 2026, conforme o New York Times.
Assim como lá, aqui no Brasil, o pujante mercado imobiliário vem apostando em empreendimentos de altíssimo padrão, unindo em um mesmo projeto hotelaria e residências de luxo. Essas iniciativas inovadoras impactam a economia de uma cidade e até o desenvolvimento de uma região, trazendo novas oportunidades de investimentos às famílias empresárias e aos family offices. Um desses exemplos de sucesso é o encontro de três gigantes familiares: Even, Faena e Família Malzoni. Eles se juntaram para trazer ao Brasil o Faena São Paulo.
A capacitação contínua da família empresária, o olhar atento, a governança familiar e corporativa, aliados à diversificação de investimentos, são o melhor caminho para a perpetuidade do patrimônio e do legado familiar.
*Nelson Cury Filho é palestrante, fundador do Fórum Brasileiro da Família Empresária-FBFE e proprietário da Cedar Tree Family Business Advisors. Saiba mais sobre o auto AQUI!
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